A incrível descoberta das asas em âmbar de 99 milhões de anos: Revelações sobre as aves do Cretáceo médio

28 de março de 2024.

Por: Rebeca de Souza Silva

Uma das questões mais intrigantes para os pesquisadores é a origem das aves e suas características corporais, como as penas, que evoluíram permitindo o voo. Raríssimas descobertas paleontológicas recentes, como a feita em 2015 por Lida Xing, paleontólogo professor associado e consultor de doutorado da Escola de Ciências e Recursos da Terra, Universidade de Geociências da China, Pequim (CUGB), e sua equipe no Angbamo, município de Tanai, distrito de Myitkyina, província de Kachin em Myanmar, estão fornecendo informações preciosas sobre as aves do Cretáceo Médio. A equipe encontrou duas pequenas asas preservadas em âmbar, que contém ossos, penas, músculo, pele e garras, que constituem o primeiro registro fóssil tridimensional desse tipo.

Antes desse achado, os registros fósseis de aves estavam limitados a impressões em rochas (2D) e penas soltas em âmbar, que não permitiam uma compreensão muito precisa sobre as espécies que as carregavam. Com a ajuda de análises osteológicas, utilizando raio X, os pesquisadores concluíram que, devido ao tamanho dos ossos, proporções dos dedos e as articulações mal definidas (ulna e rádio faltando partes proximais), os dois espécimes encontrados eram provavelmente de filhotes de um grupo de aves extinto: os Enantiornithes, que possuíam garras nas asas, verificadas no achado. As penas encontradas nos fósseis eram muito semelhantes às das aves modernas, com arranjo e estrutura parecidos, mas com uma curiosidade: eram semelhantes às das aves adultas de hoje e não possuíam indicativos de mudas, sugerindo que os estágios juvenis desse grupo eram precociais, ou seja, se tornavam independentes dos pais pouco tempo após o nascimento, e já nasciam com penas quase prontas para o voo.

As penas mantiveram suas cores originais, e os estudos feitos com ajuda de câmeras e microscópios altamente tecnológicos indicam que as aves encontradas possuíam tons claros, como o branco, e tons mais escuros de marrom. Além disso, as técnicas de análise tafonômica de fluxos de resina e exposições de superfície em âmbar revelaram outros detalhes fascinantes: marcas de garras lutando contra a resina em um dos fósseis que indicavam que o animal ficou preso na resina e tentou se soltar, e a ausência de sinais de luta e exposições ósseas no outro, sugerindo que a asa foi dissociada do corpo antes de ser preservada em âmbar (possivelmente por um predador ou por parte do corpo ter sido exposta sem se preservar).

No fóssil em que há sinais de luta, percebe-se claramente bolhas e a aparência leitosa do âmbar, que indicam a decomposição dos tecidos após sua inclusão na resina. Já no outro fóssil, essas características são muito menos presentes, o que pode indicar que essa asa pode ter secado antes de ser preservada. É surpreendente como dois fósseis inclusos em âmbar podem fornecer tantos detalhes sobre espécies que compartilharam o mundo com os dinossauros e precederam as aves modernas. Essa descoberta é fundamental para outros achados de aves e podem acelerar as respostas sobre esse fascinante grupo.

Texto fonte: XING, Lida e cols. Mummified precocial bird wings in mid-Cretaceous Burmese amber. Nature Communications , v. 7, n. 1, pág. 12089, 2016. Disponível em: <https://www.nature.com/articles/ncomms12089&gt; Acesso em: 23/03/2024.

Fonte e legenda da imagem da capa: Fotomicrografia de um dos fósseis de asas de aves do Cretáceo Médio encontrados. Figura 2 do artigo. <https://www.nature.com/articles/ncomms12089&gt; Acesso em: 23/03/2024.


Texto revisado por: Luiza Borges e Alexandre Liparini Campos.

Preguiças gigantes sobreviveram ao clima de Buenos Aires comendo formigas

25 de março de 2024.

Por: Davi Vilaça Carvalho

Em Buenos Aires, na Argentina, foram descobertos vários túneis subterrâneos feitos provavelmente por um grupo de animais conhecidos como Xenartras, que são as preguiças, as preguiças gigantes (extintas), os tatus e os tamanduás. Com o avanço dos estudos desses túneis, foi visto que, em alguns deles, haviam ninhos de várias espécies de formigas que estavam atrelados à eles e, como é conhecido pela maioria, os xenartras tem o hábito de se alimentarem desse tipo de inseto tão peculiar.

Os registros foram datados em um período chamado Quaternário que, mesmo sendo o período em que estamos, ainda há 2,6 milhões de anos de história para contar. Quando os fósseis dessas formigas e dos xenartras foram datados, descobriram que, na época, a Terra passava por uma condição climática muito difícil, em que os vários animais que viviam na superfície se viram reféns de uma vida subterrânea para sobreviver.

Com isso, os cientistas conseguiram atribuir que os túneis dos xenartras (provavelmente preguiças gigantes e tatus) foram muito explorados nesse período, pela presença desses ninhos de formiga. Essa pode ser uma evidência de que, provavelmente, por causa das condições climáticas, os hábitos subterrâneos se fortaleceram e uma das fontes principais de alimento dos xenartras foram as formigas. Ou seja, se não fosse pela abundância desses insetos sociais, talvez as preguiças gigantes ou os tatus tivessem passado por um perrengue muito maior.

Com o atual cenário de mudanças climáticas e perda de habitats, esse tipo de estudo é necessário para ampliar nosso conhecimento sobre a ecologia, evolução e a adaptabilidade dos animais às diversas condições ambientais.

Texto fonte: GENISE, J.F. and FARINA, J.L. (2012), Ants and xenarthrans involved in a Quaternary food web from Argentina as reflected by their fossil nests and palaeocaves. Lethaia, 45: 411-422. Diponível em:<https://doi.org/10.1111/j.1502-3931.2011.00301.x>. Acessado em: 19/03/2024.

Fonte e legenda da imagem de capa: Ninho de formigas encontradas em túneis de Xenartras em Buenos Aires, Argentina. <https://doi.org/10.1111/j.1502-3931.2011.00301.x>. Acessado em 19/03/2024.


Texto revisado por: Beatriz Fonseca Durão e Alexandre Liparini.

Descoberta de tecido mole em fósseis

21 de março de 2024.

Por: Arthur Antônio Machado Gonçalves Câmara de Freitas

Cientistas encontraram vasos sanguíneos e outros tecidos moles preservados em um osso de dinossauro Tyrannosaurus rex com cerca de 70 milhões de anos. Essa descoberta desafiou a crença anterior de que tecidos moles não poderiam ser preservados por tanto tempo.

Schweitzer e sua equipe utilizaram técnicas avançadas de análise para confirmar que os vasos sanguíneos e tecidos moles encontrados eram de fato originais e não um resultado de contaminação ou outro processo de decomposição. Além disso, a equipe descobriu que as proteínas encontradas nos vasos sanguíneos eram semelhantes às proteínas encontradas em pássaros, o que sugere uma relação evolutiva entre aves e dinossauros.

A descoberta de Schweitzer teve um impacto significativo na paleontologia, e a equipe continuou a explorar a preservação de tecidos moles em fósseis desde então. Seus estudos continuam a fornecer insights valiosos sobre a biologia e evolução dos dinossauros e como essas espécies se relacionam com outras criaturas que habitaram a Terra no passado.

Texto fonte: SCHWEITZER, M. et al. (2005). Soft-Tissue Vessels and Cellular Preservation in Tyrannosaurus rex. Science, v. 307, n. 5717, p. 1952-1955. DOI: 10.1126/science.1108397. Disponível em <https://www.science.org/doi/10.1126/science.1108397&gt;, acessado em 21/03/2024.

Fonte e legenda da imagem de capa: Imagens dos tecidos moles coletadas do próprio artigo. Disponível em <https://www.science.org/doi/10.1126/science.1108397&gt;, acessado em 21/03/2024.


Texto revisado por: Vicente Sousa e Alexandre Liparini

É UMA CILADA, BINO: Ossos de cingulados são encontrados em armadilha natural brasileira

18 de março de 2024.

Por: Ana Luísa Ferreira

Não, hoje não vamos falar sobre a minissérie “Carga pesada”, mas falaremos de uma cilada bastante antiga.

A Gruta Abismo Ponta de Flecha, localizada em Iporanga (SP), é uma caverna vertical com diversas galerias, onde foi encontrada uma enorme quantidade de ossos de animais extintos e viventes, há cerca de 11,5 mil anos atrás, durante o Holoceno, época geológica em que vivemos atualmente.

Alguns dos animais encontrados são da ordem Cingulata, o grupo dos tatus. O famoso casco dos tatus é formado por placas dérmicas chamadas osteodermes, que tem a função de proteger o animal. Essas placas já estavam presentes nos ancestrais mais antigos dos tatus, e foram encontradas na Gruta Abismo Ponta de Flecha, juntamente com ossos de membros locomotores desses animais. Foram encontrados materiais de duas famílias de Cingulata: Dasypodidae e Chlamyphoridae.

A família Chlamyphoridae é representada pelo gênero Cabassous, composta por espécies já extintas e ainda viventes. Contudo, as espécies viventes são muito menores do que as encontradas na gruta, ou seja, podem ter existido espécies do gênero Cabassous maiores do que seus parentes atuais.

Sobre a família Dasypodidae, foram encontrados ossos com características que indicam seu pertencimento a essa família, além de que, possivelmente esse material ósseo se relaciona com o gênero Dasypus, que também possui espécies viventes. Esses ossos têm tamanho próximo ao de duas espécies vivas da região da gruta, mas, devido ao estado de conservação, não foi possível definir a espécie.

Tá, mas como esses ossos foram parar nessa gruta? Bom, a Gruta Abismo Ponta de Flecha serviu (e ainda serve) como uma armadilha natural, ou seja, a própria natureza “criou” essa cilada para esses animais. Por ser uma gruta vertical e possuir diversas galerias, alguns animais morrem pela queda, outros ficam encurralados e morrem de fome ou sede. Além disso, alguns predadores e animais carniceiros também levavam restos de suas presas para a gruta, o que resultou no transporte desses ossos.

Uma curiosidade, é que um úmero, o osso do braço, que foi encontrado nessa gruta, aparentemente foi deixado por comunidades humanas, já que apresentava marcas e incisões associadas à atividade humana. Ou seja, é bem provável que comunidades humanas viveram e consumiram carne de Cingulados na região onde hoje é Iporanga, durante o Holoceno.

Texto fonte: CHAHUD, A.; COSTA, P. R. de O.; OKUMURA, M. Cingulata of the Abismo Ponta de Flecha Cave (Pleistocene-Holocene), Ribeira de Iguape Valley, southeastern Brazil. Revista Brasileira de Paleontologia, [S. l.], v. 25, n. 4, p. 322–330, 2022. DOI: 10.4072/rbp.2022.4.06. Disponível em: https://sbpbrasil.org/publications/index.php/rbp/article/view/325. Acesso em: 20 mar. 2023.

Fonte e legenda da imagem de capa: Esquema da gruta Abismo Ponta de Flecha, localização das galerias, retirada do artigo fonte. Disponível em <https://sbpbrasil.org/publications/index.php/rbp/article/view/325/137>, acessado em 18/03/2024.


Texto revisado por: Cíntia da Silva Xavier e Alexandre Liparini.

Fóssil mais antigo de coruja com hábitos diurnos é encontrado na China

26 de fevereiro de 2024.

Por: Guilherme Mattos

As corujas têm uma presença marcante na história da humanidade, sendo associadas a diversas culturas ao longo do tempo. Na mitologia grega, por exemplo, eram consideradas símbolos de sabedoria, enquanto em algumas crenças do Oriente Médio eram associadas à morte. O misticismo relacionado às corujas, frequentemente, foi atribuído a seu hábito de vida noturno, que é comum na maioria das espécies conhecidas atualmente. No entanto, novas evidências têm surgido recentemente, revelando padrões de atividade diurna na história evolutiva desses animais.

Na bacia sedimentar de Linxia, na China, foi encontrado o fóssil conservado de um espécime da linhagem das corujas, que viveu há mais de 6 milhões de anos, no Mioceno, apresentando diversas características que apontam para um hábito diurno do animal. A espécie, denominada Miosurnia diurna, foi submetida a análises de sua anatomia e morfologia, principalmente de seu aparelho ocular, sendo realizada a reconstrução e a comparação desta estrutura com as de aves e de outros répteis.

Dessa forma, após observação dos dados encontrados, foi visto que a M. diurna apresentava muitas semelhanças com corujas do grupo Surniini, o qual contempla as espécies de corujas diurnas atuais. Essa descoberta ajudou a refutar a hipótese de que hábitos não noturnos em corujas foram adquiridos recentemente, sustentando a existência de um ancestral diurno antigo no grupo.

Os pesquisadores apontaram que o ambiente e o período em que este animal era encontrado possivelmente explicariam o desenvolvimento de atividades voltadas para períodos de luz solar, neste grupo. De acordo com os cientistas, o resfriamento e a expansão das estepes (áreas de vegetação rasteira ampla) observados no final do Mioceno podem ter impactado os hábitos alimentares das corujas naquela época. A mudança nas temperaturas teria levado as presas das corujas a serem mais ativas durante os períodos de insolação, favorecendo estratégias diurnas neste grupo de aves.

Nesse contexto, fica evidente a importância da paleontologia para elucidar e aprimorar a compreensão da história evolutiva dos seres vivos, sendo o caso apresentado apenas um dos muitos já estudados.

Texto fonte: Zhiheng, L.; Thomas, A. S; Xiaoting, Z; Wang, Y; Tao, Z; Tao, D; Zhonghe, Z. (2022). Early evolution of diurnal habits in owls (Aves, Strigiformes) documented by a new and exquisitely preserved Miocene owl fossil from China, PNAS, v. 119, no. 15. Doi: 10.1073/pnas.2119217119. Disponível em <https://doi.org/10.1073/pnas.2119217119&gt;, acessado em: 24/02/2024.

Fonte e legenda da imagem de capa: Fotografia de fossíl de Miosurnia diurna encontrado na Bacia de Linxia – China, adaptada do artigo fonte. Disponível em <https://www.pnas.org/doi/epdf/10.1073/pnas.2119217119&gt;, acessado em 24/02/2024.


Texto revisado por: Milena R. Fonseca, Vicente Pereira de Sousa Neto e Alexandre Liparini Campos.

Ninguém é tão pequeno que não possa fazer diferença: como o fóssil de um ovo mudou tudo o que conhecíamos sobre uma espécie 

09 de fevereiro de 2024.

Por: Cíntia Silva

Um artigo publicado em 2011 trouxe novos ares para o entendimento sobre uma família de dinossauros extinta no Cretáceo superior.

Em 1923, quando Henry Osborn descobriu o primeiro fóssil deste grupo na Mongólia, o paleontólogo divulgou o que acreditava ser um predador ao lado de suas presas, no caso, ovos de outra espécie. Devido a isso, nomeou o fóssil como Oviraptor (do latim “ladrão de ovos”).

Porém, mais de 60 anos depois, pesquisadores encontraram fósseis do mesmo dinossauro em cima de um ninho de ovos, também na Mongólia, o que novamente poderia corroborar com a antiga visão de que estes animais predavam ovos de outras espécies. Contudo, para a surpresa da comunidade científica, neste mesmo ninho havia um embrião preservado em um dos ovos, que, após análise, foi constatado ser o embrião da própria espécie. Tal constatação derrubou a hipótese mais aceita até então de que oviraptores fossem predadores vorazes, como foi pintado inclusive recentemente pela mídia, por exemplo no mais recente lançamento da franquia Jurassic Park, que em dado momento mostra um oviraptor predando ovos de um ninho. A descoberta desse fóssil não só ressignificou a imagem criada para a espécie, como também foi responsável por fornecer mais informações sobre a reprodução deste grupo e de outros dinossauros não aviários ao qual este grupo pertence, os terópodes. Através de  através de análises com técnicas específicas da área, como composição isotópica de elementos químicos, lâminas histológicas/ petrográficas e estudos filogenéticos sobre a relação de parentesco entre as espécies, foi possível analisar que o indivíduo, presumivelmente adulto, foi preservado enquanto estava muito próximo dos ovos.

As análises feitas nos ovos também reforçam a hipótese de aquele ser um ninho de oviraptores, devido à semelhança dos embriões dentro deles com pesquisas anteriores acerca do desenvolvimento e estrutura destes dinossauros. Após tantos estudos, fica cada vez mais claro que o Oviraptor recebeu este nome um tanto quanto injustamente, pois seus fósseis encontrados nunca foram um retrato de predadores de ovos e sim, de um genitor protegendo sua prole e chocando seus ovos. Apesar de estar cada vez mais claro que o nome atribuído não lhe representa, devido às regras da nomenclatura zoológica, não é possível alterar o nome da espécie. Cabe à nós fazermos nossa parte e propagar a informação: o Oviraptor nunca foi um ladrão de ovos. 

Texto fonte: Dong, Zhi-Ming & Currie, Philip. (2011). On the discovery of an oviraptorid skeleton on a nest of egg at Bayan Mandahu, Inner Mongolia, People’s Republic of China. Canadian Journal of Earth Sciences. 33. 631-636. 10.1139/e96-046. Disponível em: https://cdnsciencepub.com/doi/10.1139/e96-046 Acesso em: 09/02/2024.

Fonte e legenda da imagem de capa: A figura mostra o fóssil de um dinossauro pequeno em cima de um ninho de ovos preservado. Disponível em https://static.wikia.nocookie.net/fossil/images/f/fa/Oviraptor_Senckenberg.jpg/revision/latest?cb=20090720222549 Acesso em 09/02/2024.

Desde quando ocorre a domesticação do cão?

07 de fevereiro de 2024.

Por: Giovana Matta

Dizemos que os cães são os melhores amigos do homem, mas será que é possível saber quando ocorreu sua domesticação? A descoberta de quando se iniciou a domesticação é motivo de debates entre os pesquisadores devido à ausência de características morfológicas para determinar esse ponto crucial na história da relação entre humanos e cães. Existe pouco consenso pelos pesquisadores a respeito da identificação correta das amostras arqueológicas caracterizadas como sendo de cães (e não de lobos), como também a respeito da localização geográfica dos primeiros eventos de domesticação. 

O artigo trazido aqui relata sobre a evidência mais antiga de cães, datado do Pleistoceno Superior, encontrada no Mediterrâneo, localizada no sul da Itália. Tais evidências foram encontradas nos sítios arqueológicos chamados Grotta Paglicci (Apúlia, Foggia) e Grotta Romanelli (Apúlia, Lecce). Na Grotta Paglicci, foi encontrado um rico número de espécimes de canídeos, um total de doze, os quais foram analisados e considerados de tamanho pequeno (quando comparados a lobos) e com tamanho reduzido no primeiro molar inferior. Já na Grotta Romanelli, foram encontrados mais 3 vestígios de Canis, sendo então analisado um total de 15 elementos dentários e esqueléticos encontrados nessas grutas. 

Os pesquisadores afirmaram que esses restos de canídeos eram realmente de cães e não de lobo, por meio de comparações com outros espécimes já encontrados.  As análises realizadas nesta pesquisa foram sobre tamanho do corpo, genética e estrutura dentária interna, e indicam que os espécimes eram semelhantes a cães que estavam na região da Apúlia, aproximadamente entre 14.000 e 20.000 anos atrás. Isto indica que os cães poderiam ter uma importância cultural comum com os humanos em uma fase histórica entre o mundo mediterrâneo e as regiões ao norte dos Alpes.  

Os resultados dessa pesquisa também confirmam, através de análises genéticas, que o tempo de domesticação dos cães ocorreu entre 20.000–40.000 anos atrás. Porém, ainda é questionável se os primeiros cães de fato eram capazes de se relacionar diretamente com os humanos e, assim, auxiliarem nas estratégias de subsistência. Mas o fato de terem sido encontrados na Apúlia, desde, pelo menos, 14.000 anos, indica que esses animais poderiam ter importância na cultura humana da região.

Texto fonte: Boschin, F.; Bernardini, F.; et al (2020). The first evidence for Late Pleistocene dogs in Italy. Nature. Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41598-020-69940-w acessado em: 07/02/2024

Fonte e legenda da imagem de capa: A figura mostra duas crianças brincando com um cachorro, enfatizando a domesticação deste animal. Disponível em <https://commons.m.wikimedia.org/w/index.php?search=Dog+friend+human&title=Special:MediaSearch&type=image&gt;, acessado em 07/02/2024.

Bowser ou Gamera? A gigantesca tartaruga do Cretáceo Superior!

29 de janeiro de 2024.

Por: Darlan Oliveira da Silva

Tartarugas são animais bastantes carismáticos que fascinam a maior parte das pessoas que as encontram. Existem várias espécies de tartarugas, sendo que algumas das mais conhecidas e mais amadas pertencem à superfamília das tartarugas marinhas (Chelonioidea). O tamanho delas pode variar bastante, sendo a maior existente, a Tartaruga de couro (Dermochelys coriacea). Esta tartaruga, quando adulta, pode chegar a 1,75 metros de comprimento, o que é um tamanho demasiadamente grande para uma tartaruga, não é mesmo? Mas se a maior tartaruga dos dias atuais mede 1,75 metros, o que pensar sobre as tartarugas já extintas? Como já é sabido, houve tempos em que os animais atingiam tamanhos colossais. Um novo achado colocou uma nova espécie de tartaruga marinha como a maior já descoberta na Europa e como uma das maiores já existentes no mundo, estamos falando da tartaruga marinha Leviathanochelys aenigmatica, a bizarramente gigantesca tartaruga do Cretáceo Superior.

O fóssil do animal foi coletado no Sudoeste da Europa em 2016, mas apenas algumas partes da carapaça e da cintura pélvica foram encontradas. Se foram achadas apenas essas evidências da existência do animal, como então foi mensurado seu tamanho? Apesar de não ser definitivo que o tamanho da pelve é proporcional ao tamanho corporal da tartaruga marinha, esse grande tamanho da pelve de Leviathanochelys aenigmatica já é um indício de que era um animal bem grande. O comprimento dos ossos de sua pelve era bem maior se comparado ao de outras tartarugas marinhas como a Protostega, cujo tamanho corporal é estimado em 3,4 metros. Dessa forma, os dados atuais sugerem que Leviathanochelys aenigmatica poderia atingir incríveis 3,74 metros. Além dessa nova descoberta colocar a espécie como a maior tartaruga marinha da Europa, ela sugere que diferentes linhagens de tartaruga atingiram tamanhos colossais de forma independente ao longo do tempo. Apesar disso, mais estudos devem ser realizados a fim de entender os motivos que levaram tartarugas a atingirem tamanhos tão gigantescos.

Texto fonte: CASTILLO-VISA, O. et al. (2022). A gigantic bizarre marine turtle (Testudines: Chelonioidea) from the Middle Campanian (Late Cretaceous) of South-western Europe. Scientific Reports, v. 12, n. 1, p. 18322. Doi: 10.1038/s41598-022-22619-w. Disponível em ,https://www.nature.com/articles/s41598-022-22619-w&gt;, acessado em 28/01/2024.

Fonte e legenda da imagem de capa: Imagem ilustrativa de Leviathanochelys aenigmatica feita por ICRA_Arts. Disponível em <https://www.popsci.com/science/giant-turtle-fossil-leviathanochelys-aenigmatica/>, acessado em 29/01/2024.

Por que os cetáceos não conseguiriam viver fora dos oceanos?

19 de janeiro de 2024.

Por: Laura Barroso

Os cetáceos, grupo de mamíferos do qual as baleias e os golfinhos fazem parte, são os representantes mais famosos quando o assunto é a transição de ambiente terrestre para aquático. Antes quadrúpedes terrestres, esses animais tiveram uma mudança relativamente rápida em sua locomoção para se tornarem animais obrigatoriamente nadadores. Como exemplo, tem-se os Pakicetus, cetáceos terrestres basais do início do Eoceno, ou seja, aproximadamente 50 milhões de anos atrás, alimentavam-se de peixes, apresentavam um pescoço alongado e uma anatomia característica de animais cursoriais (feitos para correr). Em compensação, os Dorudons, também pertencentes ao Eoceno, mas diferente dos Pakicetus já eram nadadores obrigatórios e já se pareciam com os nossos cetáceos modernos com sua extremidade posterior em seu formato de barbatana e seu pescoço encurtado.


Ao analisar o tamanho do sistema do canal semicircular desses mamíferos, um dos principais órgãos sensitivos relacionado ao controle neural da locomoção, foi descoberto que eles apresentavam o tamanho do arco do canal aproximadamente três vezes menor, em proporção ao tamanho corporal, do que o de outros mamíferos não cetáceos. No artigo, foram comparados os tamanhos de 24 canais semicirculares de cetáceos já extintos e de mais outras 106 espécies de outros diferentes grupos de mamíferos. Foi observado que o canal semicircular dos cetáceos era, em média, três vezes menor quando comparado com mamíferos de tamanhos parecidos. Antes, o tamanho reduzido do canal em cetáceos era considerado uma condição vestigial, tendo sido perdido em decorrência dos movimentos limitados do pescoço (vértebra cervical fusionada ou diminuída) e baixa motilidade dos olhos.


Além disso, esse novo arranjo sensorial – incompatível com a locomoção terrestre – se desenvolveu rápido e cedo na evolução dos cetáceos. O tamanho do canal semicircular, que é formado por um conjunto de três tubos ósseos interligados e repletos de endolinfa (fluido do labirinto, responsável pela detecção de sons e controle do equilíbrio), é determinante para a sensibilidade e, também, já foi descoberta sua correlação com a agilidade na locomoção a um certo grau. Uma explicação para o tamanho diminuto do canal semicircular nos cetáceos é a que este tamanho deve-se à redução da sensibilidade para combinar com os altos níveis de motilidade angular não compensatória. Ou seja, como na água é possível realizar manobras ágeis sem a necessidade de movimentos compensatórios, que mantem o equilíbrio para não se “cair” (como ocorre no ambiente terrestre), o tamanho do canal semicircular pode ser minimizada a fim de reduzir a sensibilidade excessiva a esses movimentos compensatórios. Esta motilidade é compatível com um comportamento muito característico de cetáceos viventes, sendo ele a rápida rotação corporal ao realizar acrobacias. A realização destas acrobacias foi possível no ambiente aquático e não em terra devido à ação da atração gravitacional e à não mais existente necessidade de contato com o solo para se locomover.


Algo interessante é que diferente do canal semicircular, o tamanho da cóclea — estrutura do ouvido responsável por converter as ondas sonoras em sinais elétricos a serem interpretados pelo cérebro — em fósseis de cetáceos é muito parecido com o de outros mamíferos.

Vale ressaltar que o canal semicircular da baleia azul (Balaenoptera musculus) consegue ser menor que o de um ser humano! E o do golfinho-nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus) é notavelmente menor que o do rato marrom/ratazana!

Texto fonte: Spoor, F.; Bajpai, S.; Hussain, S.; Kumar, K.; Thewissen, J. G. M. (2002). Vestibular evidence for the evolution of aquatic behaviour in early cetaceans, Nature, v. 417, p. 163–166. Doi: 10.1038/417163a. Disponível em <https://doi.org/10.1038/417163a&gt;, acessado em: 19/01/2024.

Fonte e legenda da imagem de capa: Diversos exemplos de cetáceos atuais. Extraída de Wikimedia Commons. Disponível em <https://en.m.wikipedia.org/wiki/File:The_Cetacea.jpg>, acessada em: 19/01/2024.

E se as plantas forem mais antigas do que realmente achamos ?

30 de dezembro de 2023

Por: Guilherme Freitas Oliveira

No ensino médio, aprendemos sobre a relação entre as plantas terrestres seguindo uma hierarquia na qual, primeiro, vêm as briófitas, em segundo lugar, as pteridófitas, em terceiro lugar, gimnospermas e, por fim, as angiospermas. Mas e se essa relação evolutiva estiver errada? Ou então, se as plantas terrestres, também chamadas de embriófitas, tiveram sua origem em um ancestral mais antigo ainda? Bom, para entender a relação de parentesco entre as plantas, primeiramente, temos que entender a sua importância para os ecossistemas e as diversas razões para se estudar esses seres vivos. Temos alguns benefícios que a presença das embriófitas no planeta Terra nos trazem, como fixação de gás carbônico, produção de carboidratos, regulação da umidade do ar, impactos no clima de uma região, e alimento e abrigo para diversos animais.

Então, assim como sua extrema importância para regulação da vida na terra, a comunidade científica também concorda em como se deu a origem dessas plantas, as quais seriam oriundas de um ancestral comum de alga verde. Desde então, houve uma diversificação de espécies originando os grupos vegetais que conhecemos hoje. Porém, cientistas recentemente produziram o artigo “Large-Scale Phylogenomic Analyses Reveal the Monophyly of Bryophytes and Neoproterozoic Origin of Land Plants”(Danyan Su, et al. 2021), no qual relatam a descoberta de um equívoco na classificação das briófitas, por meio de análises de 103 genomas de plantas atuais e 10 novos genomas de briófitas, além de 22 fósseis. O que demonstra que, possivelmente, o ancestral comum de todas as plantas é muito mais antigo do que a gente realmente acreditava ser.

Para entender esse equívoco, temos que entender quem são as briófitas. Briófitas são o segundo maior grupo em biodiversidade de flora no mundo, elas são caracterizadas por serem pequenas plantas que, em geral, não apresentam vasos condutores especializados e tem como principal característica a sua forma gametofítica – produtora de gametas – como estágio dominante no seu ciclo de vida. Elas podem ser divididas em: musgos, hepáticas e antóceros. Quando vamos aprender no ensino médio e até mesmo na graduação sobre a relação de parentesco das briófitas, ela é apresentada de maneira parafilética (quando não refletem as relações evolutivas entre os grupos), em que primeiro temos as hepáticas e os musgos como grupo irmão de antóceros e das demais traqueófitas (plantas com vasos condutores). Mas aí, leitor, você se pergunta, o que essa organização parafilética implica na origem das plantas terrestres e das traqueófitas? Eu te respondo!

O grande problema de considerar as briófitas como grupo parafilético é que você assumirá que diversas características compartilhadas entre o grupo surgiram mais de uma vez de forma independente e em pouquíssimo tempo de diferença, o que é possível, porém improvável. Assim, os resultados dessa pesquisa mostraram que as briófitas são um grupo monofilético, o que significa que todas as briófitas compartilham um ancestral comum exclusivo. Isso confirma a hipótese de que as briófitas são um grupo irmão das outras plantas terrestres, como as samambaias, coníferas e angiospermas. Além disso, a pesquisa mostrou que as plantas terrestres surgiram no Neoproterozoico, cerca de 1 bilhão de anos atrás, muito antes do que se pensava anteriormente (700-515 MA).

Essas descobertas são importantes porque ajudam a entender melhor a evolução das plantas terrestres e sua adaptação ao ambiente terrestre. As briófitas são importantes na colonização de ambientes terrestres úmidos e na formação de solos. Além disso, a datação da origem das plantas terrestres pode ter implicações para a evolução de outros organismos e para a história do clima global. Em resumo, o estudo “Large-Scale Phylogenomic Analyses Reveal the Monophyly of Bryophytes and Neoproterozoic Origin of Land Plants” trouxe novas descobertas sobre a evolução das plantas terrestres, confirmando a monofilia das briófitas e mostrando que as plantas terrestres surgiram muito antes do que se pensava. Essas descobertas são importantes para entender melhor a biologia evolutiva das plantas e suas implicações ecológicas e climáticas. Obrigado pela leitura, espero ter contribuído para seu conhecimento!

Artigo fonte: Su, D.; Yang, L.; Shi, X.; Ma, X.; Zhou, X.; Hedges, S.B.; Zhong, B. (2021). Large-Scale Phylogenomic Analyses Reveal the Monophyly of Bryophytes and Neoproterozoic Origin of Land Plants. Molecular Biology and Evolution. v. 38, n. 8, p. 3332–3344. Doi: 10.1093/molbev/msab106. Disponível em: https://academic.oup.com/mbe/article/38/8/3332/6237914?login=false (acessado em: 30/12/2023)

Fonte e legenda da imagem de capa: Fóssil de briófita muda a percepção da origem das plantas terrestres! Imagem extraída de Wikicommons. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/4/4f/Bryophyte_species_SRIC_SR_02-15-10_img1.tif/lossy-page1-640px-Bryophyte_species_SRIC_SR_02-15-10_img1.tif.jpg (acessado em 30/12/2023)