A falsa hegemonia dos grandes dinossauros

26 de setembro de 2022

Por: Theo Karam Vieira Maciel

Quando pensamos em dinossauros, logo nos vem à ideia uma Terra completamente dominada pelos gigantes Tiranossauros rex, com suas garras e dentes afiados, e Brachiosaurus, com seu longuíssimo pescoço capaz de alcançar a copa das mais altas árvores. Mas será que eles realmente dominavam todo o ambiente terrestre? Bem, apesar de essa ideia fantasiosa ser muito mais legal, na realidade, os dinossauros, por muito tempo, ocuparam quase que exclusivamente as zonas temperadas do globo terrestre, sendo raríssima sua ocorrência na região tropical. E, quando ocorriam, eram apenas pequenos dinossauros carnívoros. Mas, se atualmente as regiões tropicais são as com maior biodiversidade animal e vegetal, por que naquela época os dinossauros eram tão escassos nessas áreas e eram apenas pequenos carnívoros?

A resposta para essas perguntas gira em torno de uma característica muito importante das zonas tropicais dessa época: condições climáticas extremamente variáveis. Estudos realizados no sudoeste dos Estados Unidos mostraram intensas flutuações na temperatura, na umidade e nos regimes de chuva dessa zona, além de regimes de queimadas naturais frequentes. Com isso, a vegetação local apresentava também grandes variações, de forma que apenas espécies adaptadas a tanta instabilidade sobreviviam e se mantinham. Dessa forma, é possível entender a ausência completa de grandes herbívoros, afinal, não existia uma vegetação que os suportasse, e a presença de alguns pequenos dinossauros carnívoros, que dependem menos diretamente da população de plantas. Com isso, as zonas temperadas mais úmidas e mais estáveis configuravam ambientes muito mais prósperos para esses grupos de grandes dinossauros, que se expandiam e dominavam essas regiões.

Apesar disso, não quer dizer que os trópicos eram inóspitos. Diversos grupos de vertebrados foram capazes de colonizar e sobreviver a essas variações constantes e abruptas, como os pseudossuquianos, grupo que inclui os crocodilianos. Dessa forma, podemos perceber que, apesar de grandes e, aparentemente, imbatíveis, os dinossauros não dominavam todos os ambientes terrestres de maneira contínua e hegemônica.

Artigo fonte: Whiteside, J. H.; Lindström, S.; Irmis, R. B.; Glasspool, I. J.; Schaller, M. F.; Dunlavey, M.; … & Turner, A. H. (2015). Extreme ecosystem instability suppressed tropical dinosaur dominance for 30 million years. Proceedings of the National Academy of Sciences, v. 112, n. 26, p. 7909-7913. Doi: 10.1073/pnas.1505252112 Disponível em: <https://doi.org/10.1073/pnas.1505252112> acesssado em: 22/05/2023.

Fonte e legenda da imagem de capa: Apesar de curioso, grandes dinossauros, principalmente herbívoros, não habitavam regiões tropicais. Imagem elaborada pelo próprio autor do texto: Theo Karam Vieira Maciel.

Modern family

24 de setembro de 2022

Por: Eduarda Rodrigues

Você sabia que dinossauros, animais já extintos, como Tyrannosaurus rex e alguns velociraptors têm relações com aves existentes nos dias atuais, como galinhas e pombos, por exemplo?! Algumas descobertas cientificas mostram que as aves surgiram, mais precisamente evoluíram, a partir de características que já estavam presentes em outros grupos de animais, mesmo que com algumas alterações, quando a palavra “aves” não era nem uma possibilidade. Por meio da paleontologia, a descoberta de fósseis ao decorrer dos anos trouxeram à tona essa proximidade entre dinossauros e aves.

A primeira característica encontrada foram as asas, que por muito tempo eram consideradas exclusivas do segundo grupo mencionado, as aves. Em seguida novos aspectos, quando comparados os esqueletos dos dois grupos, foram notados. Sendo que ao observar as aves, foi possível verificar as adaptações físicas, que surgiram de algo que antecedeu a existência das mesmas. Esse foi o caso das penas, que se tornaram de alguma forma “melhores”, assim como algumas modificações na face, dentre as quais, o surgimento do bico. Além disso, o estudo desses animais mostrou semelhanças na formação dos filhotes, ou seja, dos embriões.

Um experimento relatou tal semelhança entre os embriões, ao identificar geneticamente, a constituição dos ossos das aves e relacioná-las com a dos dinossauros, que as originaram. Descobrindo que o rosto das aves vieram da modificação de um gene e não da criação de algo totalmente novo. Ainda que com a mesma base, uma face totalmente nova, em termos de funções e ferramentas, como o próprio bico, deu origem a elas.

Matéria fonte: SINGER, Emily. (2015). How Dinosaurs Shrank and Became Birds. Quanta Magazine. 12 de junho de 2015. Disponível em: https://www.quantamagazine.org/how-birds-evolved-from-dinosaurs-20150602#0 (acessado em 22/05/2023).

Fonte e legenda da imagem de capa: A figura mostra da esquerda para direita: dois animais talvez não tão conhecidos assim, um Velociraptor, pertencente aos dinossauros, um Archaeopteryx, conhecido como a primeira ave, mostrando a relação entres os dois outros crânios que são respectivamente de uma galinha e um pombo. Foto de Katherine Taylor, para a Quanta Magazine. Extraída da matéria fonte.

Purussaurus, o jacaré gigante da Amazônia*

26 de setembro de 2022

Por: Gabriela Pereira Ribeiro

*Texto publicado também no espaço biótico <confira aqui>

Não é novidade que a região amazônica é um dos lugares com maior biodiversidade de fauna do mundo, incluindo de jacarés. Lá existe o maior número de espécies diferentes desse predador. Mas você sabia que a Amazônia brasileira foi berço do maior jacaré que já existiu no planeta?

O nome dele é Purussaurus, um animal que viveu na América do Sul há cerca de 20 milhões de anos, que atingia cerca de 12,5 metros de comprimento e pesava 8,4 toneladas!

Era um grande predador — egoísta até — que ingeria até 60 kg de alimento por dia.

Esse poderoso e enorme jacaré usava de seu tamanho como uma adaptação natural sobre o uso dos recursos. Isso quer dizer que ele comia para que não sobrasse alimento para seus adversários. Quando jovem se alimentava de insetos, moluscos e pequenos peixes, mas conforme atingia a maturidade, ele modificava sua dieta para animais maiores, como cobras, tartarugas, aves e mamíferos. Quanto mais crescia, maior eram suas presas.

No mundo animal, os formatos de cabeça e focinho indicam o tipo de alimento que consomem. A grande cabeça e dentes achatados do Purussaurus indicavam esse tipo diverso de alimentação.

Mas ter um grande tamanho corporal tem implicações negativas, como o desafio de regular a temperatura corporal, isto é, os animais de sangue frio como os jacarés precisam do calor do ambiente para se aquecer. Ou seja, ser um animal tão gigante que vivia em um ambiente tão propício foi um fator limitante que provavelmente causou sua extinção, pois qualquer mudança no clima se refletia em uma grande mudança necessária para eles. Já os jacarés menores eram menos “rigorosos” e se mantiveram no ambiente por muito mais tempo e, talvez seja por isso que ainda estejam aqui.

Texto fonte: Aureliano T, Ghilardi AM, Guilherme E, Souza-Filho JP, Cavalcanti M, Riff D (2015) Morphometry, Bite-Force, and Paleobiology of the Late Miocene Caiman Purussaurus brasiliensis. PLoS ONE 10(2): e0117944.Doi: 10.1371/journal.pone.0117944 Disponível em: https://journals.plos.org/plosone/article?id=10.1371/journal.pone.0117944 (acessado em 16/05/2023).

Fonte e legenda da imagem de capa: Desenho de Purussaurus brasiliensis por Nobu Tamura. Extraída de commons.wikimedia.org. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Purussaurus_BW.jpg . Acessada em: 16/05/2023.

Berthasaura, o primo banguela e brasileiro do Tiranossauro*

26 de setembro de 2022

Por: Gabriela Monteiro Guimarães

*Texto publicado também no espaço biótico <confira aqui>

Um achado paleontológico brasileiro coletado na pedreira “Cemitério dos Pterossauros” próxima ao município de Cruzeiro do Oeste, Paraná, apresenta um esqueleto quase completo de Berthasaura leopoldinae, uma espécie pertencente ao grupo dos terópodes: dinossauros conhecidos por serem grandes bípedes carnívoros. Isso faz da nova espécie um parente próximo de famosos predadores como os alossauros e tiranossauros. A maior curiosidade que este novo fóssil apresenta à comunidade científica é a sua total ausência de dentes.

O Berthasaura leopoldinae é um noassaurídeo, uma subdivisão dentro do grupo dos ceratossauros. O subgrupo é conhecido por ter hábitos onívoros e por possuir um corpo menor e mais esguio que a maioria dos outros animais nessa categoria, como os ceratossauros e os abelissauros, reconhecidos animais de grande porte com hábitos exclusivamente carnívoros. Ossadas de noassaurídeos já haviam sido encontradas na Tanzânia e na China, mas principalmente apenas por meio de registro fóssil incompleto e fragmentado. A espécie brasileira foi nomeada homenageando a ativista feminina, política e bióloga nacional, Bertha Maria Júlia Lutz (1894-1976) e a primeira imperatriz brasileira, Maria Leopoldina (1797-1823). Seu nome faz alusão também à escola de samba Imperatriz Leopoldinense, que em 2018 homenageou o bicentenário do Museu Nacional do Brasil com o tema “Uma noite real no Museu Nacional”.

O crânio da ossada descoberta no Paraná está em boas condições de preservação, o que permitiu a constatação da inexistência de alvéolos dentários (cavidades nos ossos onde os dentes se alojam na maxila e na mandíbula) e a realização de uma tomografia computadorizada que comprovou que o animal nunca teve um dente na vida. Outro noassaurídeo desdentado já havia sido documentado antes, o Limusaurus inextricabilis encontrado em território chinês, mas no caso do Limusaurus, os animais apenas perdem os dentes depois de atingirem a maturidade, por volta dos três anos de idade. Os testes realizados no crânio brasileiro indicam que em nenhum estágio de seu envelhecimento o animal desenvolva qualquer tipo de dentição.

Teoriza-se que a alimentação do Berthasaura fosse herbívora, já que compartilha algumas características com outros dinossauros reconhecidos como tal, inclusive apresentando um bico córneo muito recorrente em espécies vegetarianas. Mas sem outros registros fósseis bem conservados para ajudar a confirmar os atributos da espécie, não se pode afirmar nada com certeza absoluta. Outra possibilidade é que possam manter uma dieta onívora, alimentando-se tanto de plantas quanto de pequenos animais. Não se sabe ao certo a origem dessa diferença morfológica tão marcante entre o Berthasaura e os outros dinossauros com os quais compartilha um ancestral comum próximo. Mais dados são necessários para viabilizar as pesquisas que podem comprovar qualquer hipótese elaborada.

Artigo fonte: de Souza, GA, Soares, MB, Weinschütz, LC et al. O primeiro ceratossauro edêntulo da América do Sul. Scientific Reports 11 , 22281 (2021). Doi: 10.1038/s41598-021-01312-4 Disponível em: https://doi-org.ez27.periodicos.capes.gov.br/10.1038/s41598-021-01312-4 (acessado em: 16/05/2023).

Fonte e legenda da imagem de capa: Esqueleto quase completo de Berthasaura leopoldinae encontrado no estado do Paraná. Extraída do artigo fonte.

Revisão e perspectivas dos incomuns hábitos alimentares do crocodiliano Mourasuchus

24 de setembro de 2022

Por: Camila Cristina

Dentre os vários animais que já viveram aqui na Terra, o curioso crocodiliano Mourasuchus têm despertado o interesse de paleontólogos, por causa das suas possíveis formas de se alimentar. Os crocodilianos no geral são animais relativamente grandes, semiaquáticos e predadores de topo, alimentando-se de crustáceos, moluscos, peixes e vertebrados, a depender da sua morfologia. O gênero crocodiliano que será tratado neste texto, é o extinto caimã Mourasuchus, que surgiu no Mioceno, na América do Sul.

Caimões do gênero Mourasuchus podem chegar a até 6 metros de comprimento, possuem um rostro largo, longo e achatado dorsoventralmente — lembrando um bico de pato — mandíbulas finas e longas, com dentes pequenos e cônicos. Por conta dessa morfologia incomum, não há certezas sobre a alimentação desse animal. Muitas hipóteses foram levantadas, dentre elas, Langston (1965) propôs que Mourasuchus poderiam forragear (procurar alimento) entre a lama, seja na margem ou no fundo dos corpos d’água.

O estudo apresentado aqui tem a perspectiva de que o comportamento proposto por Langston se adequa melhor à morfologia de Mourasuchus, e com isso, pretende-se abordar as seguintes perguntas: como Mourasuchus captura seu alimento?; O que eles comiam?; Como sua morfologia e estratégia de forrageamento evoluíram?

Um estudo de 2017 sugeriu, com base na hipótese de Langston, que o possível comportamento desse caimã seria forragear através de fundos e margens de corpos d’água rasos, mas enfatizando a função do seu rostro largo e achatado na captura de presas pequenas em grandes quantidades, com a porção ventral servindo de “rede de pesca”. As mandíbulas longas e finas juntamente com os dentes relativamente pequenos e outras características do crânio pressupõem que Mourasuchus eram incapazes de segurar ou ingerir grandes presas, pois não forneceria a força de mordida necessária para tal. Além disso, as vértebras cervicais são mais curtas se comparadas às de crocodilianos atuais, sugerindo que o pescoço desse animal fosse mais fraco e menos móvel. Com isso, a anatomia vertebral concorda com a anatomia craniana indicando que esses animais provavelmente não eram capazes de segurar e desmembrar grandes presas. A alimentação dos Mourasuchus possivelmente era baseada em pequenos moluscos e crustáceos, sendo que engoliriam a presa inteira, preferencialmente em grandes quantidades e depois ingeridas todas juntas. Este comportamento explicaria o tamanho reduzido da maioria dos dentes em Mourasuchus, além de explicar o formato longo e achatado do rostro, já que tal morfologia aumenta a área de captura de presas.

Em relação à evolução dos hábitos alimentares incomuns desse gênero, há a hipótese de que esse comportamento tenha evoluído do modo durófago exibido por vários caimões extintos, ou seja, alimentação que requer a quebra de materiais duros, como conchas. Há também uma técnica de forrageio denominada “escavação de cabeça”, em que o animal predava bivalves enterrados no fundo de lagos e rios. Este comportamento era de alguns caimões durófagos extintos, e se baseia em raspar o fundo de corpos d’água com uma estrutura em forma de pá nas mandíbulas inferiores. Considerando que as presas de Mourasuchus eram semelhantes a de caimões durófagos, é suposto que o comportamento de forrageio de ambos seja semelhante.

Apesar das hipóteses acerca da alimentação de Mourasuchus, tanto nesse estudo quanto anteriores, não há um consenso sobre qual delas seria a mais provável de ser adotada por esses animais. Ainda precisam ser realizados mais testes para confirmá-las, com experimentos biomecânicos e reconstruções musculares da parte inferior do rostro desses animais. Além de serem necessários mais achados fósseis e análises filogenéticas para entendermos suas adaptações e evolução.

Artigo fonte: Cidade GM, Riff D, Hsiou AS. 2019. The feeding habits of the strange crocodylian Mourasuchus(Alligatoroidea, Caimaninae): a review, new hypotheses and perspectives. Revista Brasileira de Paleontologia, v. 22, n. 2, p.106–119. Doi:10.4072/rbp.2019.2.03 Disponível em https://www.sbpbrasil.org/assets/uploads/files/rbp2019203.pdf (acessado em: 16/05/23)

Fonte e legenda da imagem de capa: Ilustração de Mourasuchus se alimentando, por Renata Cunha. Extraída do artigo fonte.

Asas de insetos: qual sua origem?

26 de setembro de 2022

Por: Ana Luiza Silva Araújo

Os insetos constituem o grupo de animais mais abundantes, ocupando quase todos os habitats do planeta. Atualmente, atribuímos essa realidade ao fato de que grande parte deles possuem asas. O voo dos insetos, possibilitado pelas asas, apresenta variadas funções importantes nos hábitos desses animais, como a busca de alimentos, fuga de predadores, procura por um parceiro para acasalamento, etc.

Porém, a pergunta que fica é: de onde vieram as asas existentes nos insetos atualmente?

Para responder a essa questão, seria interessante compreender a história evolutiva desses invertebrados através de seu registro fóssil, por exemplo. Porém, as informações obtidas através dos fósseis de artrópodes como um todo são incompletas ou mesmo contraditórias e não conseguimos traçar uma história contínua/linear. Por isso, contamos com algumas hipóteses que podem responder à pergunta. A seguir, serão listadas duas das principais estipulações a respeito do assunto.

1- A teoria das nadadeiras: os insetos conviveram com mudanças climáticas de grande impacto no ambiente terrestre, o que obrigou alguns grupos a migrarem para os ambientes aquáticos, fazendo com que suas asas se desenvolvessem para desempenhar a função de nadadeiras articuladas e com musculatura própria. Devido à necessidade de acasalamento e dispersão, esses animais se tornaram anfíbios (por viverem em dois ambientes) e as “nadadeiras” serviram também para locomoção no ar;

2- Teoria das brânquias cobertas: essa teoria defende que os insetos se adaptaram a uma condição aquática, reduzindo a espessura do exoesqueleto para que as trocas gasosas (respiração) fossem possíveis. O movimento das “nadadeiras” seria um fator importante para a movimentação da água e uma maior tomada de oxigênio. Ao retornar para o ambiente terrestre, as asas passaram a ser utilizadas na locomoção aérea.

As duas teorias apresentadas, assim como as outras teorias existentes, possuem evidências fósseis que as suportam. Porém, a origem das asas nos insetos ainda não possui uma resposta definitiva.

Artigo fonte: Carrano-Moreira, A. F. (1994). Origem das asas dos insetos: uma revisão das atuais hipóteses. Cadernos Ômega. Série Agronomia, Recife, n. 6, p. 25-33. Disponível em: https://repository.ufrpe.br/handle/123456789/603 (acessado em: 09/05/2023)

Fonte e legenda da imagem de capa: Porção direita de uma cigarra com asas abertas bem evidentes. Imagem elaborada pela própria autora do texto: Ana Luiza Silva Araújo.

De quem é este ovo? Primeiro registro de um ovo amniótico do Cretáceo Inferior (entre 145 e 100,5 milhões de anos) na região da Formação Romualdo, na Bacia do Araripe – Piauí*

26 de setembro de 2022

Por: Ana Vitória Machado Foureaux

*Texto publicado também no espaço biótico <confira aqui>

Um grupo de pesquisadores brasileiros registrou, pela primeira vez, um ovo fóssil na parte superior da Formação Romualdo, na região da Bacia do Araripe, no estado do Piauí. Este espécime foi coletado no ano de 2015, no Sítio Pé da Serra do Félix, no sudeste do estado do Piauí, e a 2,6m do topo da Formação Romualdo.

O fóssil de ovo amniótico foi encontrado envolvido por uma concreção calcária e, para que não ocorresse a destruição do material, apenas alguns segmentos da casca do ovo foram retirados e levados a análises microscópicas, de radiologia e de tomografia. Dessa forma, os pesquisadores conseguiram visualizar o formato e o interior do ovo.

Os resultados dessa comparação foram bastante conclusivos: o ovo encontrado na Formação Romualdo possui uma forma elíptica que se assemelha aos ovos de uma espécie crocodiliana (Mariliasuchus amarali) que viveu no Cretáceo Superior há 70 milhões de anos, na Formação Adamantina em Marília, no estado de São Paulo. Além disso, a espessura da casca do ovo fóssil se assemelha à espessura da casca do ovo do jacaré-anão (Paleosuchus palpebrosus).

Por último, foi detectado uma disposição semelhante a um embrião no interior do ovo e, por isso, o fóssil foi comparado a um ovo de jacaré-do-papo-amarelo (Caiman latirostris) no estágio final do desenvolvimento embrionário. O resultado mostrou que os dois ovos na fase final do desenvolvimento embrionário eram relacionados anatomicamente.

Com isso, a análise feita pelos pesquisadores nos mostra que o fóssil de ovo amniótico encontrado na Formação Romualdo pertence ao grupo dos crocodilomorfos, sendo o primeiro registro nesta região.

Artigo fonte: Abreu, D.; Viana, M.S.S.; De Oliveira, P.V.; Viana, G.F.; Nojosa, D.M.B. (2020). First Record of an Amniotic Egg from the Romualdo Formation (Lower Cretaceous, Araripe Basin, Brazil). Revista Brasileira De Paleontologia, v. 23, n. 3, p. 185-193. Doi: doi:10.4072/rbp.2020.3.03. Disponível em: https://sbpbrasil.org/publications/index.php/rbp/article/view/166 (acessado em: 09/05/2023)

Fonte e legenda da imagem de capa: Fóssil do ovo amniótico registrado pela primeira vez na Formação Romualdo. Escala = 2 cm. Extraída do artigo fonte.

Já existiram ornitorrincos na América do Sul? Descubra as origens dos monotremados!*

26 de setembro de 2022

Por: Milena Guimarães Ferreira

*Texto publicado também no espaço biótico <confira aqui>

O ornitorrinco (Ornithorhynchus anatinus) e as equidnas (gêneros Zaglossus e Tachyglossus) formam a ordem Monotremata, o único grupo de mamíferos viventes capazes de botar ovos. Esses animais, bem como seus parentes já extintos, estão restritos à Oceania, exceto pela espécie Monotrematum sudamericanum, que viveu na região da Patagônia Argentina, durante o Paleoceno.

A hipótese mais antiga a respeito da origem e diversificação dos monotremados sugere que estes são remanescentes de uma ampla radiação que começou durante o período Jurássico, havendo estudos que apoiam e que divergem de tal teoria. A descoberta de uma rica fauna de monotremados australianos do Cretáceo suporta a hipótese de uma linhagem diversa e especiosa, marcada por grandes tendências adaptativas acerca do tamanho corporal e morfologia mandibular. Por outro lado, algumas análises moleculares sugerem que ocorreu uma diferenciação entre mamíferos monotremados e eutérios (ou seja, aqueles que não botam ovos) por volta de 217,7 milhões de anos atrás, indicando que essa divergência se deu, na verdade, durante o Triássico, muito antes do que se imaginava.

Sabe-se, porém, que durante o Paleoceno, ornitorrincos basais se dispersaram para o sul da América do Sul através da Antártica, e posteriormente sofreram especiação onde hoje é a Austrália. Já o registro fóssil das equidnas sugere uma possível origem na Melanésia – região que inclui a Nova Guiné, Fiji e Nova Caledônia, entre outras ilhas -, durante o Plioceno ou início do Pleistoceno, com posterior dispersão para a Austrália.

A partir destes e de outros estudos, foi estabelecida uma nova família, chamada Teinolophidae, para o monotremado mais antigo conhecido, o Teinolophos trusleri, que viveu durante o Cretáceo Inferior e possuía uma massa corporal estimada em apenas 40 g. Assim como o ornitorrinco, T. trusleri provavelmente possuía um bico eletrossensível ou mecanossensível, utilizado para se alimentar de insetos nas florestas polares onde vivia. Além disso, Murrayglossus é reconhecido como um novo gênero de equidnas gigantes, que viveram no sudoeste da Austrália durante o Pleistoceno.

Esse grupo tão diferente de mamíferos gera bastante curiosidade e é permeado de diversos questionamentos, não apenas sobre sua linha evolutiva mas também sobre seus comportamentos, hábitos e particularidades, porém, é importante ressaltar a necessidade de se preservar suas espécies remanescentes, que estão em declínio devido à degradação de seu habitat pela ação humana.

Texto fonte: FLANNERY, T. F.; RICH, T. H.; VICKERS-RICH, P.; ZIEGLER, T.; VEATCH, E. G.; HELGEN, K. M. (2022) A review of monotreme (Monotremata) evolution, Alcheringa: An Australasian Journal of Palaeontology, 46:1, 3-20, DOI: 10.1080/03115518.2022.2025900. Disponível em: <https://www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/03115518.2022.2025900>, acessado em: 08/05/2023

Fonte e legenda da imagem de capa: Reconstituição do extinto Monotrematum sudamericanum. Autoria de Apokryltaros. Extraída de commons.wikimedia.org. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Monotrematum_sudamericanum.jpg . Acessada em: 08/05/2023.

“Peixe dourado alienígena” do Carbonífero seria na verdade um molusco

25 de setembro de 2022

Por: Henrique Sebastian de Oliveira Queroz

Ao longo dos últimos anos diversas criaturas pré-históricas estranhas, cuja características pareciam desafiar os especialistas em fósseis, puderam encontrar as suas prováveis posições na árvore da vida. Agora, novas pistas indicam ser a vez do enigmático Typhloesus wellsi, anteriormente apelidado “peixe dourado alienígena”, descobrir que o seu lugar não é entre os peixes, mas é na verdade entre os moluscos.

O curioso animal que viveu por volta de 330 milhões de anos atrás foi descoberto no final dos anos 60, no sítio de fósseis de calcário de Bear Gulch em Montana (EUA) e sua classificação têm sido uma incógnita para os cientistas desde então. Isso se dá pelas suas características anatômicas incomuns, que não pareciam se encaixar em nenhum grupo existente. Em seu pequeno corpo fusiforme de aproximadamente 90 mm de comprimento foram encontrados dentes de conodontes, uma classe de peixes primitivos, mas apesar disso o Typhloesus em nada se parece com um peixe, não apresentando olhos, ânus e muito menos uma coluna vertebral.

Posteriormente descobriu-se que tais dentes de conodontes não pertenciam ao animal, mas na verdade faziam parte da última refeição do exemplar fossilizado. Além disso, estudos recentes sobre o verdadeiro aparato alimentar deste animal sugerem que Typhloesus se trate de um tipo de molusco. Isso porque no intestino anterior de várias das amostras estudadas foram encontradas fileiras de pequenos dentes curvados, estruturas antes interpretadas como musculatura, e agora percebe-se tratar de uma espécie de rádula, estrutura presente no aparato bucal dos moluscos.

A localização e disposição desses dentes sugerem a presença de um mecanismo hidrostático pelo qual o animal poderia se alimentar projetando essa estrutura do avesso, para fora do corpo, e assim capturando suas presas, algo parecido com as probóscides dos vermes nemertinos. Contudo, ainda que aceitemos que essa dentição se trate de uma rádula, o caminho para atribuir uma posição específica para Typhloesus dentre os moluscos ainda é longo, uma vez que a diversidade de arranjos radulares é enorme.

As comparações sugerem uma semelhança entre a rádula de Typhloesus e a de aplacóforos (grupo de moluscos atuais), mas as semelhanças param por aí, principalmente pelo fato de que aplacóforos são notoriamente bentônicos, isto é, vivem no fundo dos corpos d’água, ao passo que os Typhloesus eram animais pelágicos, ou seja, viviam nadando na coluna d’água. Contudo, essa informação também não nos deixa mais próximos da resposta, pois embora apresentem semelhanças com outros moluscos pelágicos, como sua “barbatana posterior”, que em muito se assemelha ao pé em forma de barbatana dos Carinaria (grupo de caracois marinhos atuais), também apresentam várias diferenças anatômicas com esse grupo de moluscos.

Sendo assim, a descoberta de uma estrutura semelhante à rádula permitiu aos cientistas aferir que o antes chamado “peixe dourado alienígena” se trata na verdade de um molusco pelágico do período Carbonífero. Entretanto, muitas de suas características permanecem “alienígenas” até mesmo para seus possíveis colegas moluscos, se fazendo necessárias investigações futuras acerca dos Typhloesus, que podem permitir não apenas uma melhor compreensão de sua posição filogenética, como também sobre outros aspectos da história evolutiva dos moluscos.

Artigo fonte: Simon, C.M.; Bernard, C.J. (2022). A possible home for a bizarre Carboniferous animal: is Typhloesus a pelagic gastropod? Biology Letters, v. 18, n. 09. Doi: 10.1098/rsbl.2022.0179 . Disponível em: https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rsbl.2022.0179 . Acessado em 08/05/2022.

Fonte e legenda da imagem de capa: Ilustração esquemática da anatomia de Typhloesus wellsi com sua rádula totalmente projetada para fora, são também representadas as duas fileiras de dentes radulares além de seu intestino cego. Extraída do artigo fonte.

Cinco leis paleobiológicas essenciais para entender a evolução da biota vivente

25 de setembro de 2022

Por: Débora Bezerra Kierulff

As bases de diversas disciplinas podem ser expressas por leis simples, como as leis de Newton ou leis da termodinâmica. Aqui serão apresentadas cinco leis derivadas de análises fósseis que descrevem a relação entre a extinção de espécies e longevidade, diversidade biológica, taxas de surgimento, taxas de extinção e diversificação.

Um dos pilares da teoria da evolução é a ideia de sobrevivência diferencial. Para biólogos estudando escalas temporais de gerações, esse conceito tem sido bem estudado desde Darwin. Porém, em escalas de tempo maiores, sabemos que houveram extensivas extinções de morfologias e linhagens únicas, mas o estudo da biota existente oferece pouco quando tentamos determinar a importância dessas extinções, o que é um desafio para entender o processo evolutivo que resultou na vida como vemos hoje. Felizmente, o registro fóssil nos dá acesso a informações sobre o passado da vida na terra, as extinções, suas magnitudes, seletividades possíveis causas. A partir dos estudos paleobiológicos, é possível traçar cinco leis que facilitam o entendimento da paleontologia no contexto da evolução e ecologia.

A primeira lei da paleobiologia

Linhagens se extinguem. A noção que a imortalidade é biologicamente impossível se consolidou há milhões de anos, mas apenas por volta de 1800 entendeu-se que que espécies inteiras poderiam se extinguir, através do descobrimento de fósseis que não se pareciam com nada existente. A lei baseia-se no fato de que qualquer linhagem tem a possibilidade de ser extinta.

A segunda lei da paleobiologia

A longevidade de uma espécie é inversamente proporcional à taxa de extinção. Através de cálculos matemáticos mais complexos, é possível concluir que existe um grande número de espécies extintas, e é possível estimar também a diversidade dentro de um certo táxon atual em relação ao seu equivalente em um passado distante.

A terceira lei da paleobiologia

A taxa de surgimento é aproximadamente igual à taxa de extinção. Isso foi concluído através de estudos moleculares, filogenéticos evidências fósseis.

A quarta lei da paleobiologia

Mudanças na diversidade de espécies são motivadas por diferenças nas taxas de surgimento e extinção que variam com o tempo.

A quinta, e última, lei da paleobiologia

A extinção apaga a história do clado, tornando difícil inferir características ancestrais comuns e sua diversidade. O registro fóssil se torna essencial para o estudo da história dos clados, e se ele é ausente, fica quase impossível saber tais detalhes, especialmente quando a extinção se deu de forma não aleatória.

Texto fonte: Charles R. Marshall. 2017. Five paleobiological laws needed to understand the evolution of the living biota. Nature Ecology & Evolution, v. 1, issue 6. DOI: 10.1038/s41559-017-0165 . Disponível em: https://www.nature.com/articles/s41559-017-0165 acessado em: 03/05/2023

Fonte e legenda da imagem de capa: Imagem simplificada que ilustra o conceito evolutivo de ancestralidade comum. Autoria de Triton. Extraída de commons.wikimedia.org. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Evolution_icon_01.svg . Acessada em: 03/05/2023.