Bicho-de-pé na carapaça de Tatus-gigantes

20 de novembro de 2021

Por: Marcos Vinícius Borges Santos

Dois paleontólogos brasileiros, Fábio Lima e Kleberson Porpino, encontraram possíveis registros de interação de parasitas com exemplares fósseis da megafauna brasileira. Este achado é de grande relevância para a biologia e para o país, uma vez que até o momento não há registros documentados de interação ecológica entre os parasitas e as espécies descritas neste trabalho.

Os fósseis encontrados pertencem a um importante grupo que constituía a megafauna brasileira, chamados de Gliptodontes, na qual habitavam o continente americano há mais de 37 milhões de anos. Estes grandes animais, na classificação biológica, são denominados como Glyptodontidae e possuem como grupo irmão os Dasypodidae, na qual contém o tatu como o principal representante da família. Por isso, os Glyptodontidae são facilmente conhecidos como tatus-gigantes, já que podem chegar até 4 metros de comprimento e 1,5 de tonelada. O interessante é que estes fósseis não são apenas encontrados debaixo da terra, mas também nas telinhas do cinema, como é retratado pelos filmes da Era do Gelo, produzida pela Fox.

Á esquerda, ilustração científica de Gliptodontes da América do Sul (fonte: BBC Brasil) e à direita, Gliptodonte da animação do filme a Era do Gelo (fonte: R7).

Os tatus-gigantes surgiram na América do Sul, mas se distribuíram por todo o continente, alcançando até a América do Norte. Como a maioria da megafauna, estes animais foram extintos no final do último período glacial, há aproximadamente 10 mil anos. Além disso, possuíam uma forte armadura que cobria toda parte dorsal do seu corpo, ou seja, a cabeça, as costas e a cauda. Esta armadura era formada pela fusão de ossificações dérmicas, chamadas de osteodermas, cuja ornamentação varia consideravelmente entre as espécies. Dessa forma, devido a composição química e estrutural desta carapaça, há um maior sucesso de fossilização.

Segundo o estudo de 2018, foram encontrados fósseis de 3 representantes pertencentes a três grupos diferentes dentro de Glyptodontidae: Panochthus, Glyptotherium e Pachyarmatherium, todos extintos. Sendo que todos foram encontrados em uma importante área para a paleontologia, chamada de Região Intertropical Brasileira (RIB), especificamente em três estados da região nordeste: Rio Grande do Norte (RN), Paraíba (PB) e Pernambuco (PE), como descrito na Figura 1.

Figura 1: Pontos indicativos da procedência dos fósseis estudados, com destaque, em alaranjado, para a Região Intertropical Brasileira (RIB)

Além disso, as coletas foram realizadas em aterros sedimentares de cavernas de calcário, depósitos aluviais e tanques naturais. Sendo que o último são importantes depósitos fossilíferos comuns da Região Intertropical Brasileira e que fornece um favorável ambiente para a preservação dos fósseis devido a facilidade de acúmulo de matéria orgânica e uma baixa oxigenação local.

Uma das descobertas foi a presença de alterações nas carapaças dos fósseis de Pachyarmatherium brasiliense, sugerindo uma erosão biológica ativa. A maioria das alterações corresponderam à cavidades circulares bem limitadas na superfície da carapaça, representando ampliações das fossetas do folículo piloso, figura 2, estrutura esta, que também é responsável pela produção de pelos. Esta observação só foi possível porque os pesquisadores compararam os fósseis achados com outros sem patologias que estavam presentes em repositórios. Além disso, os mesmos basearam suas investigações por metodologias utilizadas em outros estudos para outros grupos de animais, mas que partiam das mesmas perguntas iniciais.

Figura 2: Superfícies externas de osteodermos do tatu extinto Pachyarmatherium brasiliense. As setas indicam perfurações de pulgas encontradas em três fósseis desta espécie. A linha tracejada delimita o desgaste na figura principal causado por corrosão. hf: folículo piloso. Barra de escala = 1cm.

Após a análise macroscópica, houve um estudo a posteriori na literatura científica buscando o mesmo fenômeno patológico em tatus viventes. Dessa forma, comparando as perfurações entre os fósseis e os espécimes viventes, perceberam que haviam algumas semelhanças que eram caracterizadas por: i) serem estritamente circulares, ii) possuírem diâmetro na abertura mais externa mais larga que o interior e iii) estarem isolados entre si. Entretanto, ao comparar a profundidade das perfurações, perceberam que para os tatus atuais, as perfurações alcançavam maiores profundidades, atravessando a osteoderma. Porém, esta diferença na profundidade da lesão se deve à maior espessura das carapaças dos fósseis.

Por fim, os pesquisadores buscaram evidências para a confirmação do agente responsável pelas perfurações. Eles então encontraram um tipo de pulga do gênero Tunga como o agente mais provável, possuindo apenas uma espécie vivente capaz de causar tais perfurações nos tatus atuais – Tunga perforans. As pulgas são parasitas obrigatórios de muitos grupos de mamíferos e pássaros, inclusive o ser humano, na qual a Tunga penetrans, popularmente conhecida como bicho-de-pé, é a responsável pela tungíase. Estes parasitas têm alta capacidade de penetrância e uma vez parasitando o hospedeiro, criam cavidades para a postura dos ovos. Ainda não se sabe dos mecanismos químicos e físicos pela qual a pulga perfura a estrutura óssea. O estudo contém uma vasta investigação e eliminação de possibilidades para outros possíveis agentes causadores das perfurações, mas que não serão retratadas neste texto.

Em suma, os pesquisadores concluíram que há registros suficientes para a confirmação do parasitismo de pulga com as espécies de Gliptodontes. Além disso, esta interação ecológica é vista até os dias atuais com as espécies viventes mais fortemente relacionadas com o grupo extinto. Dessa forma, representando um interessante modelo de coevolução que é fortemente conservado desde tempos passados da era Cenozoica até os dias atuais.

Artigo fonte: Lima, F.G; Porpino K.O. (2018). Ectoparasitism and infections in the exoskeletons of large fossil cingulates. Plos one, v. 13, n. 10, p. e0205656. Doi: 10.1371/journal. pone.0205656 <Clique aqui para acessar o artigo>

Fonte e legenda da imagem de capa: Superfícies externas de osteodermos do tatu extinto Pachyarmatherium brasiliense. As setas indicam perfurações de pulgas encontradas em três fósseis desta espécie. A linha tracejada delimita o desgaste na figura principal causado por corrosão. hf: folículo piloso. Barra de escala = 1cm. Imagem extraída do artigo fonte.

Publicado por Alexandre Liparini

Mineiro, gaúcho, sergipano, e por que não, alemão? No caminho sempre a paleontologia como paixão e agora como profissão. Adora dar aulas e pesquisar sobre origens e evolução. Se esse for o tema, podem perguntar, por que não?

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