Escrito em: 04 de Novembro de 2023
Por: Beatriz Rodrigues Ferreira
Você muito provavelmente já se deparou com o termo ‘parasitismo’ ou estudou esse termo em sua vida escolar para alguma prova de biologia. Em poucas palavras, o parasitismo é uma relação ecológica que envolve dois organismos: um chamado parasito, que se ‘beneficia’ às custas de outro organismo, chamado de hospedeiro. Apesar de constantemente associado a uma conotação negativa, o parasitismo é essencial para a vida. Muitas teorias, inclusive, associam a origem da vida a essa relação ecológica a nível molecular e intracelular, o que permitiu a diversificação e evolução das espécies. Mas, como isso é estudado? Através da paleoparasitologia!
A paleoparasitologia é um campo em expansão da paleontologia, que pesquisa e estuda parasitas e outros microrganismos, como fungos, bactérias e vírus, em materiais antigos. Ao analisar esses materiais, é possível compreender os hábitos de vida dos organismos, como rotas de migração, desenvolvimento e disseminação de patógenos, o que pode contribuir para áreas do conhecimento como arqueologia, paleontologia, microbiologia, biogeografia, entre outros.
Atualmente, existem diferentes abordagens para o estudo dessa área, incluindo evidências indiretas, como as lesões ósseas, e evidências diretas, como a análise microscópica e diagnóstico imunológico, ou biologia molecular de restos de organismos, como coprólitos (fezes fossilizadas), âmbar, ossos, dentes e pelos, entre outros.
Dentre os métodos de estudos apontados acima, o estudo de biologia molecular, ou paleoparasitologia molecular, é o que mais tem avançado. Essa área consiste basicamente no que tentaram fazer no filme Jurassic Park, em 1993 (com a diferença que aqui a gente não clona dinossauros, até porque, isso provavelmente não é possível). O objetivo é recuperar material genético de parasitas e hospedeiros em populações desaparecidas, o que permite rastrear os mecanismos coevolutivos de sistemas parasita-hospedeiro-ambiente. Apesar de muito interessante, essa recuperação de DNA ainda é desafiadora e é mais comumente realizada para animais que viveram até o final do período Quaternário, na ‘Era do Gelo’, quando as condições ambientais proporcionaram a boa conservação de vestígios orgânicos.
Um exemplo disso é o estudo realizado com coprólitos de aves Moa já extintas da Nova Zelândia. Esse estudo utilizou da tecnologia mencionada anteriormente e foi capaz de identificar DNA de parasitos Apicomplexa, Nematoda e Trematoda. Análises microscópicas anteriores só tinham identificado ovos de nematódeos. Com isso, foi possível obter informações valiosas sobre a diversidade e a evolução de parasitas gastrointestinais que infectaram as espécies de Moas. Isso pôde ajudar a entender melhor a ecologia e a biologia desses animais extintos. Além disso, esses estudos mostram como a filogenia molecular pode ser usada para identificar e caracterizar parasitos encontrados em coprólitos de Moas, o que pode contribuir para o desenvolvimento de novas estratégias para o diagnóstico e tratamento de doenças parasitárias em humanos e animais, por exemplo.
Em resumo, a paleoparasitologia é um campo de estudo fascinante, com o potencial de desvendar inúmeros segredos sobre organismos do passado e suas interações com o ambiente e seus patógenos. Assim, contribuir para diversas áreas de conhecimento e revisitar eventos que moldaram a história da vida na Terra.
Textos fonte:
ARAÚJO, A. et al.(2003). Parasitism, the diversity of life, and paleoparasitology. Memórias do Instituto Oswaldo Cruz, v. 98, p. 5–11, jan.
CASCARDO, Paula; PUCU, Elisa; LELES, Daniela. (2017). The history of evolution of life on Earth told by paleoparasitology. Global Journal of Archaeology & Anthropology, v. 1, n. 2.
Disponíveis em:
https://www.scielo.br/j/mioc/a/tGh9qWKQFHw7G7KsCtZ9hYJ/?lang=en
Fonte e legenda da imagem de capa: Ovos de parasitos em coprólitos de aves Moa da Nova Zelândia. Fonte: Wood JR, Wilmshurst JM, Rawlence NJ, Bonner KI, Worthy TH, Kinsella JM, Cooper A. A megafauna’s microfauna: gastrointestinal parasites of New Zealand’s extinct moa (Aves: Dinornithiformes). PLoS One. 2013;8(2):e57315. doi: 10.1371/journal.pone.0057315. Epub 2013 Feb 25. PMID: 23451203; PMCID: PMC3581471.
Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3581471/.
Texto revisado por: Gustavo Firpe, Sandro Ferreira e Alexandre Liparini.