De que se alimentavam os “elefantes brasileiros”?

Escrito em: 09 de abril de 2023

Por David Matos Mendes

De que se alimentavam os “elefantes brasileiros”? Espera aí, não nos contaram que o lar dos elefantes consiste em áreas dos continentes africano e asiático? Estaríamos aqui por acaso falando de elefantes de circos ou de zoológicos que foram transportados ao Brasil em algum momento do século passado?

Para ser sincero, o tema desse texto se refere a acontecimentos bastante, repito, bastante anteriores ao século XX e o comércio de animais para entretenimento. Os elefantes brasileiros de que vamos falar são genuinamente nativos do nosso país, ou melhor, do território que atualmente chamamos de Brasil, mas que naquele momento nem sonhava em receber as caravelas de Cabral. Nem mesmo Portugal sonhava em existir enquanto nação; na verdade, nenhuma nação sequer existia…

Enfim, estamos falando do território brasileiro de cerca de 11 mil anos atrás. O Notiomastodon platensis, o nosso “elefante” que na verdade era um mastodonte, era física e geneticamente muito semelhante aos atuais Loxodonta e Elephas (os dois gêneros de elefantes viventes) pertencendo à mesma ordem taxonômica, à qual nomeamos Proboscidea (basicamente, inclui os mamíferos que se alimentam utilizando sua tromba). Um verdadeiro gigante herbívoro que habitou por muito tempo o nosso continente.

Quando falamos de um animal extinto há tanto tempo assim, pode parecer difícil estudar características que vão além dessas semelhanças que sabidamente são estudadas através dos ossos encontrados pelos paleontólogos. É compreensível que se consiga estudar o “parentesco” entre espécies extintas e as atuais, afinal a similaridade entre características ósseas é consideravelmente palpável no imaginário popular, mas, voltando ao título do nosso texto, será que é mesmo possível estudar, através de ossos de 11 mil anos, o que esses animais comiam?

A resposta é sim! Pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro analisaram os dentes desse bicho colossal encontrados na região de Águas de Araxá, em Minas Gerais, e encontraram fragmentos antigos e bastante deteriorados de plantas no cálculo (o famoso tártaro) do dente. Para se ter uma ideia, esses fragmentos eram tão pequenos que são chamados de microfósseis.

Tudo bem, tudo bem, você deve estar se perguntando: E aí? Como se identifica? É possível saber algo mais sobre essa planta além de saber que… é uma planta?

Novamente, a resposta foi positiva. Os cientistas executaram tratamentos químicos, através dos quais foi possível, por análise em microscópio, perceber algumas características que os levaram a concluir os grupos em que se encaixavam as plantas às quais pertenciam os fragmentos.

Surpreendentemente, dentre os fragmentos, foram encontradas seções de traqueídes e elementos de vaso (estruturas celulares condutoras das plantas) de uma conífera (árvores do grupo dos pinheiros). Isso nos diz que esses animais se alimentavam também de madeira! De um modo geral, o estudo concluiu que os Notiomastodon dessa região tinham hábitos alimentares bastante diversos.

Uma vez que também foram encontradas fibras, grãos de pólen e esporos dentre os fragmentos, é possível entender que diversas partes das plantas, não só folhas, como era de se imaginar, estavam no cardápio dos nossos gigantes.

Ufa, quanta coisa um dente mais que antigo de um velho e há muito falecido elefante pôde nos contar, não é? Esse é mais um exemplo de como a ciência e seu desenvolvimento contínuo trazem conhecimento dos mais diversos âmbitos do nosso mundo, sejam estes relativos ao presente ou ao passado.

Texto fonte: ASEVEDO, L.; WINCK, G.R.; MOTHÉ, D.; AVILLA, L.S. (2012). Ancient diet of the Pleistocene gomphothere Notiomastodon platensis (Mammalia, Proboscidea, Gomphotheriidae) from lowland mid-latitudes of South America: Stereomicrowear and tooth calculus analyses combined. Quaternary international, v.255, p. 42-52. Doi: 10.1016/j.quaint.2011.08.037 Disponível em: https://sci-hub.se/https://doi.org/10.1016/j.quaint.2011.08.037 Acesso em: 04/11/2023


Fonte e legenda da imagem de capa: Reconstrução simples do Notiomastodon.


Texto revisado por: Cíntia Silva, Alexandre Liparini.

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