“Peixe dourado alienígena” do Carbonífero seria na verdade um molusco

25 de setembro de 2022

Por: Henrique Sebastian de Oliveira Queroz

Ao longo dos últimos anos diversas criaturas pré-históricas estranhas, cuja características pareciam desafiar os especialistas em fósseis, puderam encontrar as suas prováveis posições na árvore da vida. Agora, novas pistas indicam ser a vez do enigmático Typhloesus wellsi, anteriormente apelidado “peixe dourado alienígena”, descobrir que o seu lugar não é entre os peixes, mas é na verdade entre os moluscos.

O curioso animal que viveu por volta de 330 milhões de anos atrás foi descoberto no final dos anos 60, no sítio de fósseis de calcário de Bear Gulch em Montana (EUA) e sua classificação têm sido uma incógnita para os cientistas desde então. Isso se dá pelas suas características anatômicas incomuns, que não pareciam se encaixar em nenhum grupo existente. Em seu pequeno corpo fusiforme de aproximadamente 90 mm de comprimento foram encontrados dentes de conodontes, uma classe de peixes primitivos, mas apesar disso o Typhloesus em nada se parece com um peixe, não apresentando olhos, ânus e muito menos uma coluna vertebral.

Posteriormente descobriu-se que tais dentes de conodontes não pertenciam ao animal, mas na verdade faziam parte da última refeição do exemplar fossilizado. Além disso, estudos recentes sobre o verdadeiro aparato alimentar deste animal sugerem que Typhloesus se trate de um tipo de molusco. Isso porque no intestino anterior de várias das amostras estudadas foram encontradas fileiras de pequenos dentes curvados, estruturas antes interpretadas como musculatura, e agora percebe-se tratar de uma espécie de rádula, estrutura presente no aparato bucal dos moluscos.

A localização e disposição desses dentes sugerem a presença de um mecanismo hidrostático pelo qual o animal poderia se alimentar projetando essa estrutura do avesso, para fora do corpo, e assim capturando suas presas, algo parecido com as probóscides dos vermes nemertinos. Contudo, ainda que aceitemos que essa dentição se trate de uma rádula, o caminho para atribuir uma posição específica para Typhloesus dentre os moluscos ainda é longo, uma vez que a diversidade de arranjos radulares é enorme.

As comparações sugerem uma semelhança entre a rádula de Typhloesus e a de aplacóforos (grupo de moluscos atuais), mas as semelhanças param por aí, principalmente pelo fato de que aplacóforos são notoriamente bentônicos, isto é, vivem no fundo dos corpos d’água, ao passo que os Typhloesus eram animais pelágicos, ou seja, viviam nadando na coluna d’água. Contudo, essa informação também não nos deixa mais próximos da resposta, pois embora apresentem semelhanças com outros moluscos pelágicos, como sua “barbatana posterior”, que em muito se assemelha ao pé em forma de barbatana dos Carinaria (grupo de caracois marinhos atuais), também apresentam várias diferenças anatômicas com esse grupo de moluscos.

Sendo assim, a descoberta de uma estrutura semelhante à rádula permitiu aos cientistas aferir que o antes chamado “peixe dourado alienígena” se trata na verdade de um molusco pelágico do período Carbonífero. Entretanto, muitas de suas características permanecem “alienígenas” até mesmo para seus possíveis colegas moluscos, se fazendo necessárias investigações futuras acerca dos Typhloesus, que podem permitir não apenas uma melhor compreensão de sua posição filogenética, como também sobre outros aspectos da história evolutiva dos moluscos.

Artigo fonte: Simon, C.M.; Bernard, C.J. (2022). A possible home for a bizarre Carboniferous animal: is Typhloesus a pelagic gastropod? Biology Letters, v. 18, n. 09. Doi: 10.1098/rsbl.2022.0179 . Disponível em: https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rsbl.2022.0179 . Acessado em 08/05/2022.

Fonte e legenda da imagem de capa: Ilustração esquemática da anatomia de Typhloesus wellsi com sua rádula totalmente projetada para fora, são também representadas as duas fileiras de dentes radulares além de seu intestino cego. Extraída do artigo fonte.

Publicado por Alexandre Liparini

Mineiro, gaúcho, sergipano, e por que não, alemão? No caminho sempre a paleontologia como paixão e agora como profissão. Adora dar aulas e pesquisar sobre origens e evolução. Se esse for o tema, podem perguntar, por que não?

Deixe um comentário

Preencha os seus dados abaixo ou clique em um ícone para log in:

Logo do WordPress.com

Você está comentando utilizando sua conta WordPress.com. Sair /  Alterar )

Foto do Facebook

Você está comentando utilizando sua conta Facebook. Sair /  Alterar )

Conectando a %s

%d blogueiros gostam disto: