29 de junho de 2022
Por: Wanderson Lemes
A história dos macacos no continente sul-americano começou por volta de 40 a 50 milhões de anos atrás, época em que América do Sul não possuía contato direto com a África e ainda não havia conexão com a América do Norte pelo Istmo do Panamá. Então, de onde vieram esses primatas e como chegaram à América do Sul?
Durante o século XX diversas teorias ganharam espaço, onde ideia mais aceita era que os macacos do Novo Mundo (platirrinos – focinho mais curto com as narinas voltadas para os lados) e os macacos do Velho Mundo (catarrinos – possuem um focinho longo com as narinas voltadas para baixo) desenvolveram suas características em paralelo na África e na América do Sul a partir de ancestrais comuns. Nenhum fóssil ancestral que liga os macacos do Novo Mundo com os do Velho Mundo foi encontrado na América do Sul.
Evidências fósseis e moleculares indicam que os platirrinios se diversificaram de grupos que migraram da África para a América do Sul. Se vieram da África, como os macacos do Novo Mundo conseguiram atravessar o Oceano Atlântico? Três hipóteses foram levantadas para explicar uma possível migração transatlântica dos macacos para a América do Sul: pontes terrestres, saltos de ilha em ilha e transporte em “ilhas flutuantes”.
As placas tectônicas africanas e sul-americanas estão se separando há pelo menos 100 milhões de anos devido a deriva continental, o que indica que se os animais terrestres migraram de um continente para outro após esse período, algum tipo de dispersão oceânica deve ter ocorrido. Reconstruções ambientais e evidências científicas descartam a existência de uma ponte terrestre conectando a África com a América do Sul.
Já alguns pesquisadores sugerem a existência de ilhas muito próximas umas das outras e terrenos rasos no Atlântico Sul. Essas ilhas podem ter reduzido consideravelmente a distância de uma possível migração de primatas da África para a América do Sul. Porém, devido à falta de dados, não é possível determinar se a distribuição de ilhas no tempo e no espaço teria sido suficiente para permitir que os mamíferos migrassem de ilha em ilha.
O modelo de ilha flutuante continua sendo uma teoria plausível e compatível com direções de correntes marítimas de 60 milhões de anos atrás até o presente. No entanto, uma condição para que a migração de ilhas flutuantes obtenha sucesso é que as distâncias sejam pequenas, o suficiente para permitir que os animais sobrevivam até que alcancem com sucesso uma massa de terra maior. Modelos e reconstruções indicam que uma ilha flutuante levaria de 5 a 15 dias para cruzar o Oceano Atlântico a partir da África, demonstrando um modo viável de dispersão para mamíferos de pequeno e médio porte. Então, um cenário envolvendo a presença de ilhas próximas umas das outras e a utilização de ilhas flutuantes entre essas massas de terra poderia ter facilitado uma possível travessia da África, reduzindo a distância de migração.
Outras hipóteses podem ser levantadas, como a suposição que primatas ancestrais chegaram à América do Sul vindos da América do Norte (Estreito de Bering e posteriormente pelo Mar do Caribe) ou pela Antártica, que estava ligada à América do Sul na época. Porém não há registros fósseis em nenhuma das massas continentais para reforçar essas teorias. Então, se a rota de migração envolveu a América do Norte ou a Antártica, supõe-se que os ancestrais platirrinos não deixaram nenhum fóssil nesses continentes, ou que ainda não foram encontrados. Assim, a dispersão por ilhas oceânicas de grupos de macacos africanos para a América do Sul em algum momento entre 40 e 50 milhões de anos atrás é a explicação mais provável para a distribuição de platirrinos fósseis e atuais em nosso continente.
Texto fonte: Oliveira, F.B.d., Molina, E.C., Marroig, G. (2009). Paleogeography of the South Atlantic: a Route for Primates and Rodents into the New World? In: Garber, P.A., Estrada, A., Bicca-Marques, J.C., Heymann, E.W., Strier, K.B. (eds) South American Primates. Developments in Primatology: Progress and Prospects. Springer, New York, NY. Doi: 10.1007/978-0-387-78705-3_3 Disponível em: https://link.springer.com/chapter/10.1007/978-0-387-78705-3_3 . Acessado em: 26/01/2023.
Fonte e legenda da imagem de capa: Saguis-de-tufo-branco (micos-estrela) se segurando em troncos de árvores. Imagem utilizada para ilustrar um dos platirrinos atuais. Autoria de BrasilEire. Extraída de commons.wikimedia.org. Disponível em: https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/thumb/7/71/White_flower_with_beetle.jpg/727px-White_flower_with_beetle.jpg?20070530153824. Acessada em: 26/01/2023.