As Paleotocas de Minas Gerais: icnofósseis singulares e ameaçados

11 de setembro de 2020

Por: Júlio, J.L.

Pesquisadores brasileiros publicaram nos últimos anos, os primeiros registros de paleotocas desenvolvidas em formações ferríferas no Brasil, em Minas Gerais. Neste contexto, a caracterização da paleotoca da Serra do Gandarela (AP38) é ainda mais especial, pois trata-se do único testemunho para o Quadrilátero Ferrífero (QF) da megafauna pleistocênica extinta há mais de dez mil anos. Contudo, esses ambientes já se encontram sob diversas ameaças, correndo o risco de desaparecerem antes de serem melhores compreendidos, ainda que apresentem alto potencial turístico e científico.

Paleotocas ou crotovinas (quando preenchidas por sedimento posteriormente) são registros geológicos relativamente raros, sendo considerados icnofósseis (do grego ichnós: traço, marca), isto é, vestígios de atividades biológicas fósseis, como pegadas, rastros e tocas de animais pré-históricos, que podem ser utilizados para reconstruir aspectos climáticos e ecológicos do passado do planeta. Associada à cavidade natural (caverna) denominada AP38, pesquisadores caracterizaram a única paleotoca descrita para o quadrilátero ferrífero (QF), que possui também a maior altitude (1.500m) dentre as ocorrências do país e é considerada ainda, a maior delas, com 345 metros de desenvolvimento horizontal, escavados pela megafauna Sul Americana que vivia por aqui há mais de 10 mil anos, durante o último período geológico: o Pleistoceno.

Determinar a autoria de icnofósseis é uma tarefa difícil, ainda mais em substratos ferruginosos, pois estes dificultam a preservação de fósseis. Porém, através de análises do material escavado, das dimensões dos túneis e galerias e das incríveis impressões das garras deixadas nas paredes, os pesquisadores chegaram aos possíveis autores da paleotoca da Serra do Gandarela: as preguiças terrestres gigantes de dois dedos, provavelmente do gênero Nothrotherium. Estes animais possuíam uma anatomia adaptada aos hábitos fossoriais e bem distinta das preguiças arborícolas atuais, com quem compartilham o mesmo grupo taxonômico, junto dos tatus e tamanduás: os Xenarthra e que chegaram inclusive a conviver com a espécie humana nas Américas.

Ao longo dos anos e com a extinção da megafauna, as paleotocas foram sendo reocupadas por novos e distintos moradores, como alguns animais troglófilos e trogloxenos (cavernícolas facultativos como alguns insetos, anfíbios, morcegos e até humanos) e os animais denominados troglóbios, que possuem adaptações para viver nestes ambientes escuros (como a perda da visão e de pigmentos do corpo) e que apenas são encontrados nestas cavidades. Recentemente, diversas espécies de troglóbios foram descritas pela primeira vez em cavernas ferruginosas de Minas Gerais, contudo, tal biodiversidade é ainda pouco conhecida e muitas espécies possivelmente ameaçadas ainda não são conhecidas.

As paleotocas abrigam um relevante patrimônio geoambiental, arqueológico e biológico ainda pouco estudado e que, portanto, necessita de urgentes medidas de conservação, como a criação de geoparques, a regulação do turismo e o fomento da pesquisa científica. Em Minas Gerais, essa necessidade é agravada pela concorrência de uso do solo com atividades econômicas de alto impacto, como a mineração em geossistemas ferruginosos, que pode inclusive danificar ou destruir por completo a AP38, na Serra do Gandarela.

Capítulo de livro fonte: Bittencourt, Jonathas; Vasconcelos, Andre; Carmo, Flávio; Buchmann, Francisco. (2018). Registro paleontológico em caverna desenvolvida em formações ferríferas na Serra do Gandarela. In: RUCHKYS, U.; TRAVASSOS, L. E. P.; RASTEIRO, M.; FARIA, L. (org). Patrimônio espeleológico em formações ferríferas | Propostas para sua conservação no Quadrilátero Ferrífero, Minas Gerais. São Paulo: SBE, cap. 11. p 192-209.

Fontes complementares:

CARMO, F. F.; CARMO, F. F.; BUCHMANN, F. S. C.; FRANK, H. T.; JACOBI, C. M. Primeiros registros de paleotocas desenvolvidas em formações ferríferas, Minas Gerais, Brasil. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE ESPELEOLOGIA, 31º, 2011b, Ponta Grossa-PR. Anais da Sociedade Brasileira de Espeleologia, julho de 2011. p. 531-540.

RUCHKYS, U.A.; BITTENCOURT, J. S. & BUCHMANN, F.S.C. A paleotoca da Serra do Gandarela e seu potencial como geossítio do Geoparque Quadrilátero Ferrífero, Minas Gerais. Caderno de Geografia, v.24, n.42, 2014. DOI: 10.5752/P.2318-2962.2014v24n42p249

Leituras recomendadas:

CARMO, F. F. CARMO, F. F. CAMPOS, I. C. JACOBI, C. M. Cangas ilhas de ferro estratégicas para a conservação. Revista Ciência Hoje, Rio de Janeiro, agosto de 2012, p. 48-53. CARTELLE, C. Das grutas à luz: Os mamíferos pleistocênicos de Minas Gerais. Belo Horizonte: Bicho do Mato. 2012, 236p.

RUCHKYS, U. A; MACHADO, M. M; CASTRO, P. T. A; RENGER, F. E.; TREVISOL, A. Geoparque Quadrilátero Ferrífero, Minas Gerais. In: C. SHOBBENHAUS E C. SILVA. (ORG.) Geoparques do Brasil: propostas. 1ed. Rio de Janeiro: Serviço Geológico do Brasil, 2012. p. 183-220.

Legenda e fonte da imagem: Paleotúneis da AP38 (Foto: Joaquim Lacerda).

Publicado por Alexandre Liparini

Mineiro, gaúcho, sergipano, e por que não, alemão? No caminho sempre a paleontologia como paixão e agora como profissão. Adora dar aulas e pesquisar sobre origens e evolução. Se esse for o tema, podem perguntar, por que não?

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