20 de março de 2020
Por: Letícia A. Barbosa
Um assunto que gera bastante curiosidade no meio científico é a descoberta dos tipos de alimentação dos grandes mamíferos extintos do continente americano. Embora conclusões e informações concretas sobre esse tópico sejam difíceis de ser alcançadas, pode-se ter uma luz quando existem coprólitos encontrados na mesma região onde viviam os animais, e datados da mesma época.
Os coprólitos também são fósseis, mas não como os que vêm primeiro à nossa mente quando pensamos nisso. Não são nenhum dinossauro. Na verdade, são vestígios da atividade dos animais em um determinado ambiente, que podem conter informações muito úteis sobre sua alimentação e até mesmo sobre a cadeia alimentar. Em resumo, coprólitos são fezes de animais, que sofreram algum processo de fossilização e ficaram preservadas. Os coprólitos analisados neste estudo foram encontrados em 1976, juntamente com partes do esqueleto de um indivíduo da espécie Palaeolama major, por um dos autores, Cástor Cartelle, em Morro do Chapéu, na Bahia. Acredita-se que os coprólitos são do animal encontrado junto deles, e hoje as peças preservadas pertencem à coleção paleontológica do “Museu de Ciências Naturais da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais”. Os coprólitos e os restos do animal foram datados da época do Pleistoceno, há aproximadamente 2 milhões de anos.
Como muitos coprólitos, estes também carregavam informações muito importantes sobre a dieta dos animais da espécie P. major, que viviam na região. Essa espécie já extinta, parente próxima das lhamas atuais, é representante do gênero Palaeolama e está dentro do grupo dos Camelídeos, que inclui também camelos e alpacas. Para que essas informações fossem identificadas, foram feitas análises bem detalhadas da anatomia dos fragmentos vegetais encontrados nos coprólitos. As análises da anatomia vegetal nesses casos podem levar à classificação desses vestígios encontrados, dando uma ideia relativamente precisa do tipo de dieta que esses animais tinham, ou pelo menos tiveram, logo antes de deixarem suas fezes no ambiente.
Assim, a partir das análises, o estudo concluiu que esses animais se alimentavam principalmente de plantas arbustivas de pequeno e médio porte e de algumas ervas. Os fragmentos eram de plantas angiospermas (com flores e frutos), e de um grupo específico dentro das angiospermas, chamado Eudicotiledôneas, ou simplesmente eudicots, que é caracterizado pela presença de dois cotilédones (folhas modificadas presentes nas sementes).
A partir disso, o estudo pôde contestar a informação que se tinha anteriormente de que esses animais consumiam basicamente gramíneas, já que era um tipo de vegetal presente na região e é mais frequente na dieta das lhamas atuais. Ao contrário, não foi encontrado qualquer vestígio de gramíneas nos coprólitos analisados. Além disso, também se esperava que esses animais vivessem em regiões de campo aberto, mas evidências nos coprólitos indicaram que esses animais viviam próximos da borda de uma floresta, que concluiu-se ser do tipo Cerrado, já incidente naquela época.
Este estudo é muito importante pois, dentro de um assunto muito procurado na área da pesquisa científica, traz novas evidências sobre a vida de um animal já extinto, mas que esteve na região onde hoje é o Brasil, e propõe novas conclusões para enriquecer a nossa história e a história da nossa biodiversidade, além de também apresentar informações que contestam evidências anteriores e mostrar como a pesquisa e a ciência podem também questionar e discutir conclusões já existentes.
Artigo fonte: Marcolino, C. P., Isaias, R. M. S., Cozzuol, M. A., Cartelle, C., Dantas, M. A. T. (2012). Diet of Palaeolama major (Camelidae) of Bahia, Brazil, inferred from coprolites, Quaternary International, v. 278, p. 81-86, doi:10.1016/j.quaint.2012.04.002 <Clique aqui para acessar o artigo fonte>
Fonte da imagem: Ilustração de Felipe Alves Elias. Extraída de seu blog por esse <link>