Pequenos herdeiros de grandes histórias

Escrito em: 04 de abril de 2024

Por: Pedro Marzano

Os chamados Quetognatos são um grupo de animais principalmente marinhos que, na maior parte das ocasiões, passa despercebido. Contudo, isso é de se esperar, tendo em vista que, apesar de predadores ferozes, esses animais são basicamente plânctons nadadores. Eles vivem na coluna d’água em seu micromundo, onde se alimentam de outras pequenas criaturas que também passeiam por ali e, ainda que ainda existam hoje em dia, muitas espécies desapareceram da vida com o correr da história, ficando marcada apenas em registros fósseis.

       A pequenez desses animais não pode nos distrair de sua grandiosa história, entretanto. Em tempos passados, quando sobreviver ainda era uma aventura experimental, essas criaturas reinavam os mares onde viviam. Em o que foi considerada uma verdadeira explosão de biodiversidade, a vida se diversificou. Durante o Cambriano, organismos passaram a se aventurar mais entre as possibilidades de ambientes, encontrando papéis ecológicos inéditos e rapidamente adaptando-se a eles. Alguns procuraram refúgio sob a areia e cascalho, já outros aprenderam a nadar em busca do que comer, aproveitando-se do seu corpo alongado e simétrico e de suas protonadadeiras laterais e caudais, tornando-se predadores mortais. 

    Em um estudo recente, mais um desses seres extintos foi descoberto e nomeado. Timorebestia koprii. Onde hoje é o norte da Groenlândia, cerca de 5 a 7 metros abaixo da superfície, fósseis de alguns representantes da espécie foram descobertos. O maior deles chegando a 20,6 centímetros de comprimento sem as antenas. Quando essas são consideradas, o animal bate os 30 centímetros. Apesar do tamanho não impressionar tanto atualmente, em sua época e espaço, esses animais eram enormes. 

    A descrição da espécie também foi importante para entender melhor como ela se relaciona com outros parentes passados e contemporâneos. Em especial, a espécie Amiskwia sagittiformis, descrita em 1911, foi revisitada. Apesar de apresentar nadadeiras e formato do corpo parecido com os quetognatos, não foram encontrados, a princípio, espinhos preensores, característica essencial para classificação do grupo. 

      Entretanto, em estudos recentes, os cientistas perceberam que Amiskwia apresenta sim um aparelho bucal desenvolvido, porém interno. Apesar de ainda não ser suficiente para entrar no grupo quetognata, a descoberta sugeriu que este organismo poderia ser convidado a entrar nos Gnathifera, grupo este que, de acordo com o que apontam evidências filogenéticas, pode consistir um só clado junto com os quetognatos: os Chaetognathifera.

      Em conclusão, apesar do reino predatório dos quetognatas ter chegado ao seu inevitável fim, seu legado sobrevive em água e rocha, e a paleontologia nos convida a uma viagem no tempo para conhecer os dias de um império invertebrado. Enquanto estudamos seus comportamentos, particularidades e detalhes, estes animais, grandes ou pequenos, ferozes ou medrosos, e mesmo mortos, mantêm viva a ciência da vida.

Texto fonte: Park, T.-Y. S., Nielsen, M. L., Parry, L. A., Sørensen, M. V., Lee, M., Kihm, J.-H., Ahn, I., Park, C., de Vivo, G., Smith, M. P., Harper, D. A. T., & Nielsen, A. T. (2024). A giant stem-group chaetognath. Science Advances, 10, eadi6678.

Disponível em: https://www.science.org/doi/10.1126/sciadv.adi6678

Fonte e legenda da imagem de capa: Figura 7 do artigo; Reconstrução artística de T.koprii em sua atividade predatória.


Texto revisado por: Luís Filipe Cardoso Queiroz e Alexandre Liparini.

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