Escrito em: 02 de março de 2024
Por Maria Eduarda Carvalho
*Texto publicado também no espaço biótico <confira aqui>
Ouvimos com frequência histórias populares e até folclóricas dos peixes cartilaginosos do mar, incluindo as arraias, quimeras e, principalmente, os tubarões. Sim, os tubarões, arraias e quimeras pertencem à mesma classe: os Chondrichthyes! Os Chondrichthyes são registrados desde o início do Siluriano (444 a 419 milhões de anos atrás) até os dias atuais. Este grupo de peixes ainda é subdividido em Elasmobranchii (tubarões e arraias) e em Holocephali (com único representante vivo, as quimeras). Falando sobre tubarões e sobre paleontologia, cada dente, dentículo e espinho de nadadeira conta uma história marinha antiga sobre habitats, ecologia, interações entre espécies e acontecimentos evolutivos dos tempos geológicos.
Mesmo existindo registros de Chondrichthyes a partir do Siluriano, no território brasileiro o grupo só se torna diverso e abundante em formações rochosas do Permiano (289 a 252 milhões de anos atrás), com Elasmobranchii permianos somente sendo encontrados nas bacias sedimentares paleozoicas do Paraná e Parnaíba.
Um estudo intitulado “A new symmoriiform shark and other chondrichthyan teeth from the earliest Permian of southern Brazil”, escrito por paleontólogos brasileiros traz à tona fósseis incrivelmente preservados de tubarões que viviam em águas marinhas frias do Permiano de um ambiente periglacial no sul do Brasil. O que é muito interessante é que, além de dois dentes fossilizados que foram atribuídos a condrictes indeterminados, as descobertas desta recente pesquisa nos revelam um dente fossilizado de tubarão que agora é a primeira espécie de Symmoriiformes brasileira!
Mas, afinal, quem são os Symmoriiformes? São um grupo de peixes condrictes fósseis que existiram do Devoniano Superior ao Cretáceo Inferior, entre cerca de 400 e 100 milhões de anos atrás. Esses peixes apresentam um padrão de dentição característico que chamamos de cladodonte: dente apresentando cinco cúspides, em que a cúspide central é mais alta que as demais e é flanqueada por dois pares de cúspides laterais menores (e que foi usado como base para as conclusões da pesquisa em questão).
Esses três dentes isolados foram encontrados no “Folhelho Lontras”, uma importante unidade estratigráfica da Bacia do Paraná, originada pela deposição de sedimentos em um ambiente marinho de quase 300 milhões de anos atrás, no início do Permiano. Essa formação rochosa é como um tesouro fossilífero, recebe até status de Konservat-Lagerstätten, que do alemão significa “jazida de conservação”! Sua importância paleontológica é global, pela capacidade de conservação de restos de organismos de forma extraordinária. No presente estudo, os autores trazem hipóteses para tal qualidade da preservação, como condições específicas que diminuíram atividade bacteriana, não degradando as partes moles de animais, por exemplo.
A nova espécie foi registrada como Crioselache wittigi, o que faz referência às águas geladas que esse tipo de tubarão vivia durante o período de glaciação e deglaciação. Essa descoberta e a de outros dentes de condrictes é uma peça fundamental no quebra-cabeça da evolução marinha, sendo esses, alguns dos primeiros registros desse tipo tubarão no início do Permiano, destacando, inclusive, a importância de formações rochosas brasileiras para novas descobertas paleontológicas.
Texto fonte: Pauliv, V. E., Dias, E. V., Sedor, F. A., Weinschütz, L. C., & Ribeiro, A. M. (2023). A new symmoriiform shark and other chondrichthyan teeth from the earliest Permian of southern Brazil. Revista Brasileira De Paleontologia, 26(3), 227–237.
Disponível em: https://doi.org/10.4072/rbp.2023.3.07
Fonte e legenda da imagem de capa: Parte, contraparte e e desenho esquemático de dente fossilizado da nova espécie de Symmoriiformes do Brasil. (Imagem retirada do texto fonte.)
Texto revisado por: Fernanda Moreira Batitucci e Alexandre Liparini.