Um Roubo Histórico

Escrito em: 03 de novembro de 2023

Por: Helena Meireles

O tráfico é um tema amplamente discutido no Brasil e frequentemente divulgado em jornais e noticiários por meio de diversas reportagens. No entanto, essas reportagens tendem a se concentrar principalmente no contrabando de drogas e armas, deixando de lado outros produtos que também sofrem com o comércio ilegal, como os fósseis. Esses itens são retirados de seus sítios paleontológicos e frequentemente acabam sendo enviados para o exterior, prejudicando o conhecimento do patrimônio fossilífero nacional.

As leis que deveriam proteger e regular a extração e transporte do patrimônio fossilífero estão ultrapassadas, datando de 1942. Embora criminalizem a escavação sem autorização, não estabelecem penalidades claras para aqueles que extraem e comercializam os fósseis ilegalmente. Isso cria um cenário que dificulta o fim dessa prática criminosa. A falta de penalizações efetivas, juntamente com o baixo interesse da mídia e a normalização do crime aos olhos da população local, devido à longa história do tráfico de fósseis no país, infelizmente levou à banalização do crime.

A região da Chapada do Araripe, considerada a mais importante do Brasil em termos de conteúdo fossilífero, é a mais afetada pelo tráfico de fósseis. A cadeia do crime começa com as pessoas mais vulneráveis, os escavadores das minas de calcário laminado e argilas da região. Eles costumam receber quantias irrisórias por eventuais fósseis encontrados e muitas vezes não têm consciência do dano causado. Para ilustrar a extensão do problema, apenas em 2021, mais de 200 fósseis na região foram vítimas do comércio ilegal, mostrando a atuação ativa da cadeia de tráfico. Na maioria das vezes, os fósseis retirados ilegalmente de seus sítios de origem são vendidos a revendedores recorrentes, e acabam nas mãos de colecionadores particulares ou até mesmo em universidades estrangeiras, por meio do mercado negro.

Os fósseis encontrados em Araripe, por exemplo, são considerados de alto valor econômico devido à sua raridade e bom estado de conservação, podendo custar milhares de dólares no mercado clandestino. O problema é que esses fósseis contrabandeados não passam por uma análise completa de seu conteúdo fossilífero, não possuem documentação precisa sobre sua localização original e permanecem inacessíveis aos pesquisadores locais, prejudicando muito a pesquisa paleontológica nacional.

A comunidade de paleontologia brasileira luta para acabar com a prática do tráfico e recuperar os fósseis retirados ilegalmente da região de Araripe. Algumas medidas já foram adotadas para combater esse crime, como o treinamento das forças de segurança, a criação do Geoparque do Araripe, que estabelece uma região protegida na bacia sedimentar do Araripe de cerca de 35.000 km² e possui o selo da UNESCO, além da criação do Museu de Paleontologia de Plácido Cidade Nuvens, também localizado na região da bacia sedimentar do Araripe.

De acordo com Hara Nunes, essas ações geraram uma maior atenção ao potencial científico do registro fossilífero da bacia do Araripe, tanto em relação à curadoria do acervo quanto à divulgação da importância desse registro. Isso tem gerado um maior interesse da população pela sua história natural, valorização da ciência e o desenvolvimento econômico da região.

No entanto, percebe-se que ainda são necessárias muitas medidas adicionais. Começando por uma legislação mais rigorosa para proteger o patrimônio fóssil e uma fiscalização mais eficaz. Também é fundamental conscientizar a população sobre o risco que nosso patrimônio fossilífero enfrenta. A falta de ações efetivas resultará em prejuízos significativos para a ciência, pois o tráfico impacta diretamente nas pesquisas paleontológicas, tornando impossível comparar novas descobertas locais com fósseis antigos.

Além disso, os fósseis que estão no exterior carecem de informações essenciais para pesquisas, por não possuírem dados suficientes que são perdidos no contrabando. Fósseis são bens que merecem ser protegidos e conservados em coleções científicas nacionais de instituições públicas de pesquisa, como universidades e museus.

É fundamental que os órgãos de fiscalização, pesquisadores e instituições de ensino estejam alinhados na proteção desse patrimônio, a fim de desmantelar o mercado ilegal e sensibilizar a população sobre a importância desses bens nacionais. Já passou da hora de reconhecer e preservar nossos patrimônios científicos e culturais, buscar justiça e recuperar o que ainda pode ser restaurado. A Chapada do Araripe merece ser uma região de destaque e florescimento científico ainda maior, acessível para a sociedade e protegida pela lei e pelos moradores da região.

Texto fonte: Mayara Maria da Silva, Alisson Justino Alves da Silva, Tayslane dos Santos Gonçalves, João Paulo Camilo de Oliveira, David Ian Machado Alves, Fabiana Correia Bezerra, Renan Alfredo Machado Bantim. (2023).A LUTA POR LEIS MAIS SEVERAS: INVESTIGAÇÃO DO TRÁFICO DE FÓSSEIS NA REGIÃO DO CARIRI CEARENSE. Revistaft, v. 27, n. 122, p. DOI: 10.5281/zenodo.7975567.

Disponível em: https://revistaft.com.br/a-luta-por-leis-mais-severas-investigacao-do-trafico-de-fosseis-na-regiao-do-cariri-cearense/. (Acesso em: 03/11/2023).


Fonte e legenda da imagem de capa: Fósseis contrabandeados apreendidos pela Polícia Federal.

Disponível em: https://www.blogs.unicamp.br/colecionadores/page/17/.


Texto revisado por: Cíntia Silva e Alexandre Liparini.

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