Plantas Se Defendendo de Mamíferos?

Escrito em: 7 de dezembro de 2024

Por Carolina C. Almeida

A herbivoria é uma interação ecológica que ocorre há centenas de milhões de anos. Praticado principalmente por artrópodes e vertebrados, esse comportamento surgiu pouco depois das próprias plantas. Da mesma forma que foram selecionadas, nos animais, características que os possibilitassem se alimentar de plantas, também houve seleção de estratégias de defesa vegetais — processo chamado de coevolução —, já que a natureza é uma grande luta pela sobrevivência. Uma das formas que as plantas têm de se defender é a produção de tricomas urticante, que são estruturas similares a pelos, que liberam substâncias irritantes e tornam a folha desagradável de comer (e até fazem coçar a nossa pele, só de encostar).

Um estudo de 2020, feito por pesquisadores de Ruanda e dos EUA, mostrou que esses tricomas já existem desde a Época do Eoceno (há cerca de 48,7 milhões de anos atrás!) e foram preservados em folhas fósseis, que só agora foram identificadas corretamente e atribuídas às Urticaceae (família da urtiga), devido a sua semelhança com folhas de outras famílias vegetais. A preservação de folhas é bastante rara, por serem tecidos sensíveis, que se degradam facilmente, e a ocorrência de tricomas urticantes típicos dessa família é inédita no registro fóssil.

No estudo abordado, foram analisados registros de folhas comprimidas — preservadas pela alta pressão, sem que houvesse a destruição total das folhas —, de dois tipos morfológicos diferentes. Esses fósseis foram encontrados em Okanogan Highlands, no Canadá, onde há condições propícias para a conservação de estruturas delicadas e onde, inclusive, já foram encontradas pétalas de flores e pólen.

Para entender a qual grupo as amostras pertenciam elas foram comparadas a folhas vivas do gênero Giardinia coletadas em Ruanda, onde o ambiente atual é similar ao de vivência dessas plantas fósseis. Foram constatados, então, muitos tricomas, desde a superfície das folhas até o pecíolo (o cabinho da folha), que tinham forma similar a pequenos espinhos, além de a forma da folha também ser característica da tribo Urticeae, que está contida em Urticaceae.

Os tricomas nas urtigas atuais têm uma ponta mineralizada que se quebra ao tocar e se comporta como uma agulha capaz de injetar a substância urticante na pele. Isso, obviamente, afasta quem tente tocar ou comer essa planta, provavelmente tendo sido uma característica selecionada com esse propósito, mais especificamente para evitar mamíferos!

Outros estudos sugerem a existência dessas plantas desde o Paleoceno (cerca de 66 a 56 milhões de anos atrás), na Ásia, o que leva a imaginar que houve uma transição desse grupo da América do Norte para a Ásia ou vice-versa. Essa questão é importante porque coincide com a diversificação de herbívoros nesses continentes e na Europa, os Perissodactyla, grupo que inclui os atuais cavalos, rinocerontes e antas e o maior mamífero terrestre do Oligoceno (época seguinte ao Eoceno), o Paraceratherium. A morfologia desses animais fósseis leva a crer que se alimentavam de folhas, assim como fazem os gorilas da montanha que vivem no Parque Nacional dos Vulcões, em Ruanda, os quais, inclusive, já tiveram mecanismos selecionados evolutivamente que anulam os efeitos das urtigas. Isso não é incrível?

Resta desvendar se todos os exemplares antigos de Urticeae já possuíam tricomas urticantes, além de entender melhor quais animais se alimentavam dessas plantas e qual é sua história natural com mais respaldo. O estudo dessas interações nos ajuda a entender melhor sobre a evolução da vida na Terra, dando pistas a respeito do estabelecimento de relações entre espécies e do desenvolvimento de diferentes estruturas nos organismos. Saber disso faz com que compreendamos que existe uma infinidade de vida diversa anterior à que conhecemos hoje, e saibamos que estamos presentes numa fração muito pequena da história. Isso porque as espécies sofrem mudanças contínuas — na velocidade do tempo geológico —, o que resulta em diferentes configurações da biodiversidade ao longo do tempo conforme elas sofrem diversas pressões seletivas, como a herbivoria é, para as plantas. Fascinante, não?

Texto fonte: DeVore, M. L.; Nyandwi, A.; Eckardt, W.; Bizuru, E.; Mujawamariya, M.; Pigg, K. B. (2020). Urticaceae leaves with stinging trichomes were already present in latest early Eocene Okanogan Highlands, British Columbia, Canada. American Journal of Botany, v. 107, p. 1449–1456. https://doi.org/10.1002/ajb2.1548.

Fonte e legenda da imagem de capa: Urtica dioica, um exemplar vivente da família Urticaceae. Nas folhas e nos pecíolos é possível ver a grande quantidade de tricomas. Fonte: Wikimedia Commons, acesso em: 28/01/2025


Texto revisado por: Lucas Rabelo e Alexandre Liparini.

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