O que a rara múmia de um filhote de felino-dente-de-sabre descoberta na Rússia tem a nos contar sobre como eram estes animais? A análise desta múmia esclareceu detalhes inovadores sobre os hábitos e aparência desta espécie

Escrito em: 6 de dezembro de 2024

Por: Matheus Soares Silveira

Sempre se falou muito de grandes predadores do passado, como o Megalodonte (Otodus megalodon) e o Tiranossauro Rex (Tyrannosaurus rex), por exemplo. De fato, seu porte grande e magnitude despertam curiosidade aos olhos dos amantes da história e da vida no planeta mas, nem sempre os cientistas têm todas as respostas sobre como eram os seres que viveram e já se foram há milhares de anos.

Esse é o caso dos felinos-dente-de-sabre. Hoje nós veremos detalhes sobre um artigo publicado na revista Nature em 14 de Novembro de 2024, onde os autores descrevem a descoberta e análise da múmia do filhote de uma das espécies de felino-dente-de-sabre, o Homotherium latidens.

MAS O NOME NÃO ERA TIGRE-DENTE-DE-SABRE?

“Uai, mas não era tigre-dente-de-sabre? E como assim uma das espécies?”

São muito comuns essas dúvidas. O que se chamava de tigre-dente-de-sabre não era uma única espécie, mas, sim, várias espécies de felinos com essa característica marcante, todos membros da subfamília Machairodontinae. Na realidade, o nome tigre-dente-de-sabre é muito mais um nome popular do que um nome técnico, afinal esses animais não eram o que se chama hoje de tigre (Panthera tigris), e os cientistas o usavam para fins comparativos, não expressando uma proximidade genética recente.

DESCOBERTA E ANÁLISE DA MÚMIA

Nosso fóssil foi descoberto em 2020, no distrito Abyisky, na República De Sakha (Yakutia), Rússia. O local é chamado de Badyarikhskoe, e situa-se no rio Badyarikha (afluente direito do rio Indigirka, situado na planície de Yana-Indigirka).

O estudo comparou a aparência do filhote de dente-de-sabre com um filhote de leão moderno (Panthera leo) da mesma idade. “Pela primeira vez na história da Paleontologia, a aparência de um mamífero extinto com nenhuma espécie análoga viva foi estudada.” – Os Autores do artigo.

A datação por radiocarbono – também chamado de carbono 14, é a forma radioativa dos átomos de carbono, que tem queda na quantidade no corpo depois que o ser vivo morre, possibilitando estimar há quanto tempo ele morreu – dos pelos do filhote foi feita e resultou, após calibragem por softwares – que considera variação da quantidade de carbono 14 na atmosfera de cada tempo, pra chegar ao resultado final – numa idade entre 35.471 e 37.019 anos atrás, sendo pertencente à Idade Superior da Época Pleistoceno.

Segundo os autores, achados de mamíferos mumificados desse intervalo de tempo são raros. A maioria das múmias encontradas na Rússia na última década foi naquela região. Nossa múmia em questão tem preservada apenas a cabeça e o tronco até a porção final do peitoral, com alguns ossos da cintura acoplados aos fêmures e a ossos da canela, achados no mesmo pedaço de gelo que a parte preservada.

COMPARAÇÃO E IDENTIFICAÇÃO DO EXEMPLAR

Seu corpo tem uma pelagem espessa, curta (3 centímetros de comprimento) e macia, colorida de marrom escuro. No lábio superior, há dois pares de bigodes.

Os pesquisadores conseguiram descrever gênero, família e subfamília do dente-de-sabre devido às similaridades do crânio, dentes, tamanho do corpo e posição dos ossos e órgãos com exemplares dos mesmos grupos e de outros (estudo de Anatomia Comparada). Pelo grau de brotamento dos dentes incisivos, estima-se que a múmia tenha 3 semanas de idade.

As características do crânio são coincidentes com a família Felidae (felinos) e a mandíbula tem características remetentes ao gênero Homotherium, o que levou a esta classificação.

O pescoço do filhote dente-de-sabre é mais espesso e comprido do que o do filhote de leão, e sua caixa craniana é maior, bem como sua fenda oral, comprimento do crânio e dos ossos das patas dianteiras (ulna e úmero). A grande altura do lábio superior também sugere que ele cobrirá os caninos superiores (dentes de sabre) quando eles crescerem na fase adulta do filhote, o que nos faz reavaliar a ideia de que seus dentes ficavam expostos, como comumente mostrado em filmes e reproduções feitas antes de descobertas que apontam nessa direção.

Este gênero viveu no Pleistoceno e ocupava a Eurásia, América e África. “Por muito tempo, a última presença de Homotherium na Eurásia foi registrada na Época Pleistoceno Médio”, disseram os autores. Isto só mudou quando descobriram a mandíbula de um H. latidens no Mar do Norte. Na América do Norte, os Homotherium daqueles tempos eram chamados de Homotherium serum, pelo menos até análises genéticas mostrarem que eram a mesma espécie, tendo sido priorizado o nome H. latidens. Esta múmia é apenas a segunda evidência de que os Homotherium ocuparam a Eurásia no Pleistoceno Tardio, além da descoberta da mandíbula.

O QUE O ESTUDO TROUXE DE NOVIDADE?
A aparência dos felinos-dente-de-sabre enquanto ainda estavam vivos é amplamente debatida, uma vez que a baixa preservação de tecidos moles em geral (no caso, de pele e pelos) gera uma lacuna frequentemente preenchida com especulações baseadas no visual de felinos atuais. Trabalhos recentes reconstruíram o biotipo muscular destes animais como tendo músculos hipertrofiados no pescoço e membros anteriores (patas dianteiras).

A pesquisa dos cientistas, além de ser outra prova da sobrevivência mais recente destes organismos, é a confirmação do que foi previsto sobre seu porte físico, também mostrando que os juvenis desta idade não eram tão diferentes dos indivíduos adultos.

As patas largas e arredondadas da múmia, em contraste com as palmas finas e alinhadas do filhote de leão, sugerem, somadas ao formato quase quadrado das almofadas de seus dedos, com a ausência de almofadas carpais, que esta espécie estava adaptada a andar sobre a neve e a habitar ambientes frios. De acordo com os autores, a baixa aurícula (arco do ouvido) da orelha também é um indicativo desses hábitos.

“A descoberta da múmia de H. latidens em Yakutia expande radicalmente a compreensão da distribuição do gênero e confirma sua presença no Pleistoceno Superior da Ásia.”, disseram os autores.

De fato, este trabalho trouxe impacto nos estudos paleontológicos, tendo sido o primeiro a trazer o aspecto in vivo dos pelos, focinho e orelhas desta espécie, além de também ter esclarecido detalhes sobre o desenvolvimento de filhotes, expandiu as discussões de sua distribuição ao redor do mundo.
Enquanto o registro fóssil ainda não é totalmente explorado e os cientistas se empenham em aumentar nossos conhecimentos sobre o planeta que chamamos de lar, iremos ficar no aguardo das próximas descobertas.

Texto fonte: Lopatin, A.V., Sotnikova, M.V., Klimovsky, A.I. et al. (2024). Mummy of a juvenile sabre-toothed cat Homotherium latidens from the Upper Pleistocene of SiberiaSci Rep 14, 28016.

Disponível em: Mummy of a juvenile sabre-toothed cat Homotherium latidens from the Upper Pleistocene of Siberia | Scientific Reports.

Doi: https://doi.org/10.1038/s41598-024-79546-1.

Fonte e legenda da imagem de capa: Fotografia da múmia criopreservada do filhote de Homotherium latidens.

Disponível em: https://super.abril.com.br/ciencia/gatinho-dente-de-sabre-extinto-ficou-preservado-como-mumia-no-gelo-por-35-mil-anos.


Texto revisado por: Sandro Ferreira de Oliveira e Alexandre Liparini.

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