Escrito em: 10 de janeiro de 2025
Por Fernanda Moreira Batitucci
O título pode até parecer um pouco mórbido, mas já se perguntou como paleontólogos conseguem descrever hábitos de animais que já não estão mais aqui? Os vestígios que eles deixam tornam tudo um pouco mais claro: pegadas, caminhos, coprólitos (fezes fossilizadas) ou as tocas que constroem podem nos ajudar a responder várias perguntas. Mas como uma toca poderia responder alguma pergunta?
As paleotocas, como são chamadas, são cavidades subterrâneas que foram cavadas por animais pré-históricos e preservadas durante milhões de anos, até serem ‘descobertas’ por paleontólogos. Normalmente, são vistas como um abrigo temporário para quem os escavou: para se proteger de predadores, para sua reprodução, etc. A maioria das paleotocas foi escavada por mamíferos (como preguiças gigantes) mas já houve indícios de tocas escavadas por répteis, dinossauros, crocodilomorfos (animais semelhantes aos jacarés e crocodilos) e até peixes! Mas… peixes? Construindo tocas?
Sim!
Durante uma escavação na Formação Adamantina, no triângulo mineiro, cientistas descobriram uma paleotoca que levantou diversas questões: uma atribuída, supostamente, a um peixe pulmonado!
A formação Adamantina se estende de Minas Gerais, São Paulo, Goiás a Mato Grosso do Sul. Depois de localizar a toca, os paleontólogos coletaram o material que a preenchia (porque, ao longo do tempo, ela se encheu de outros materiais e deixou de ser oca!) que incluía pequenos fragmentos de ossos! Será que eles seriam do animal que construiu a toca? Depois de analisados, os identificaram como ossos de tetrápodes (vertebrados que possuem quatro membros). Mesmo assim, ainda não dava pra ter tanta certeza de quem construiu aquela toca, já que os ossos poderiam ser de outro animal que se apossou de lá… ou um que virou comida.
Mas, e aí, como identificar o responsável pela toca?
Comparando!
Existem várias outras paleotocas descritas ao longo da formação, mas sempre encontramos um problema: a encontrada em Minas Gerais é completamente diferente! Ela não possuía nenhuma câmara, sendo um túnel simples com a sua base plana. Além disso, a inclinação da sua entrada era bem pequena. Assim, foi necessário mais comparações: As paleotocas de tartarugas Podocnemididae encontradas em São Paulo, por exemplo, são mais inclinadas pois eram utilizadas para botar ovos e se abrigar. Então, tartarugas já estão fora de cogitação.
Mas, utilizando a anatomia da toca de base, já dá pra fazer algumas ligações. Peixes pulmonados, desde o Devoniano (período de 416 milhões de anos atrás até 359 milhões de anos atrás) são conhecidos pela construção de tocas verticais para “estivação”, processo em que se enterram para fugir do período de seca. Durante o processo, eles reduzem muito seu metabolismo, entrando em um tipo de “modo descanso”. A paleotoca encontrada em Minas Gerais possui características muito parecidas com as tocas já conhecidas que foram feitas por peixes pulmonados, então a toca em questão foi atribuída à lista.
Ainda assim, é importante salientar que mais descobertas podem ser feitas que invalidam essa hipótese, já que ainda é muito ambíguo se ela foi feita ou não por um peixe pulmonado. A ciência é um processo de constante pesquisa e hipóteses, então isso é bom!
Mas, no fim, por que isso importa? Na verdade, muito! O estudo das tocas é tão importante quanto o estudo dos ossos, já que com ele, os hábitos de quem as fez ficam mais claros e pode-se fazer mais hipóteses sobre a vida de animais que já não estão mais aqui. Além disso, é possível encontrar mais registros ainda dentro das paleotocas (como ovos, ossos, fezes…), o que dá uma visão mais clara sobre o animal, deixando paleontólogos se aproximarem do estudo do indivíduo com outros olhos. O jeito em que ela é construída também ajuda a decifrar várias coisas! Marcas de garras podem mostrar como eram construídas, sua inclinação (como vimos no texto) pode mostrar o porquê dela ter sido feita e por aí vai!
No final de tudo, tanto os ossos quanto a “casa” são importantes para os estudos paleontológicos, pois permitem que exista uma visão mais completa sobre a espécie, que talvez estivesse incompleta se não fosse o que foi achado!
Texto fonte: Rangel, C. C., Francischini, H., Rodrigues, S. C., Netto, R. G., Buck, P. V., & Sedorko, D. (2022). A possible lungfish burrow in the Upper Cretaceous Adamantina Formation (Bauru Basin, Brazil) and its paleoecological and paleoenvironmental significance. Revista Brasileira De Paleontologia, v. 25(3), p. 167–179. Doi: https://doi.org/10.4072/rbp.2022.3.01 Disponível em: https://sbpbrasil.org/publications/index.php/rbp/article/view/336 (Acessado em: 05/12/2024)
Fonte e legenda da imagem de capa: Paleotoca encontrada na formação Adamantina. Imagem retirada do texto fonte.
Texto revisado por: Cíntia Xavier e Alexandre Liparini.