Pequenos Artrópodes Preenchem Grandes Lacunas da Paleobiologia

Escrito em: 3 de novembro de 2023

Por Gabriela Mathias de Andrade

A ordem Pseudoscorpiones abriga os ilustres falsos escorpiões, também conhecidos como pseudoescorpiões. São pequenos aracnídeos predadores muito semelhantes aos escorpiões, diferindo-se pela ausência da “cauda” típica, formada pelo chamado metassoma, seguido de uma estrutura afilada chamada télson, que abriga a temida glândula de veneno dos escorpiões verdadeiros.

Apesar de constituírem uma das linhagens mais antigas de animais terrestres conhecidas, com exemplares datando do Devoniano Médio, 390 milhões de anos atrás, os fósseis de pseudoescorpiões são raros. Isso se deve à fragilidade de seus corpos relativamente moles e ao pequeno tamanho das estruturas. Por esse motivo, quase todos os fósseis desses pequenos animais são preservados em inclusões de âmbar, um material derivado de resinas vegetais valioso na conservação de fósseis, permitindo a preservação de organismos diminutos e delicados.

Algumas plantas lenhosas produzem resina, uma substância bastante viscosa e insolúvel em água, que, quando exposta ao ar, endurece. Às vezes, quando essas árvores liberam a resina, acabam por aprisionar pequenos seres vivos no material pegajoso, que perde cada vez mais água, endurecendo gradualmente. Ao ser soterrada, a resina pode sofrer lentas mudanças químicas em virtude da pressão e temperatura. Esse processo, ao longo de milhões de anos, a transforma em âmbar, tornando-a uma fonte importante de informações sobre o passado.

O projeto desenvolvido por János Novák e colaboradores identificou um novo gênero e espécie de um pseudoescorpião fóssil em um depósito de âmbar Ajkaite, na Hungria. Batizado de Ajkagarypinus stephani sp. nov, em referência ao local onde foi encontrado e à família taxonômica na qual a nova espécie foi classificada, a família Garypinidae. O tipo âmbar da região, chamado de Ajkaite, pertencente ao Cretáceo Superior – mais precisamente ao estágio Santoniano – é especialmente rico em artrópodes preservados, como aranhas e baratas. A descoberta desse fóssil é de grande importância para a área, se caracterizando como o mais antigo fóssil europeu da família Garypinidae – e um dos mais bem preservados.

Além da importância direta para a caracterização de uma nova espécie do registro fóssil, essa descoberta implica, também, uma contribuição valiosa para o entendimento da paleofauna Ajkaite, ou seja, aos animais que viveram no local no passado geológico – nesse caso, no Cretáceo. Além disso, o achado permite uma melhor compreensão da paleobiota do carvão Ajka, quer dizer, as formas de vida fósseis descobertas no local.

Com base na localização em que foi encontrado, é possível inferir, ainda, o ambiente em que o Ajkagarypinus stephani sp. nov viveu – seu paleohábitat. O local era, provavelmente, uma floresta pantanosa e lacustre com alta precipitação, marcada por clima tropical. O ambiente projetado se alinha com as necessidades ecológicas dos parentes viventes mais próximos das plantas fósseis no carvão de Ajka.

Os estudos paleontológicos com âmbar, como esse, são fundamentais não apenas para a identificação e preservação de fósseis, mas também para a reconstrução de ecossistemas e a compreensão das interações ecológicas em tempos geológicos distantes. Ao permitir a preservação de organismos pequenos e delicados, o âmbar oferece uma visão única da vida no passado, fornecendo dados essenciais para o entendimento da evolução das espécies, das condições ambientais e da biodiversidade ao longo da história da Terra. Essas descobertas enriquecem nossa visão da história natural e podem ter implicações significativas para a ciência contemporânea.

Texto fonte: Novák, J.; Harvey, M. S.; Szabó, M.; Hammel, J. U.; Harms, D.; Kotthoff, U.; Hörweg, C.; Brazidec, M.; Ősi, A. (2024). A new Mesozoic record of the pseudoscorpion family Garypinidae from Upper Cretaceous (Santonian) Ajkaite amber, Ajka area, Hungary. Cretaceous Research, v. 153, 105709. https://doi.org/10.1016/j.cretres.2023.105709.

Fonte e legenda da imagem de capa: Amostra de âmbar Ajkaite contendo o pseudoescorpião. Fig. 3B do texto fonte. Disponível em <https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0195667123002379>, acesso em: 04/12/2024


Texto revisado por: Lucas Rabelo e Alexandre Liparini.

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