Além da Proclamação da República: Colonialismo e a Luta pela Autonomia no Patrimônio Paleontológico Brasileiro

Escrito em: 15 de novembro de 2024

Por: Giulia Alves

Hoje, no Dia da Proclamação da República, refletimos sobre a verdadeira soberania que o Brasil ainda busca. Embora o país tenha se tornado uma República em 1889, algumas práticas coloniais ainda afetam áreas cruciais como a ciência, especialmente a paleontologia.

A soberania é um tópico central para entendermos esse desafio. O conceito de soberania evoluiu ao longo da história, moldado pelos contextos político e econômico de cada época. Neste contexto, entendemos soberania como o direito exclusivo e poder supremo de cada Estado sobre seus próprios recursos econômicos, políticos e científicos, sem interferência externa. Assim, a luta por soberania na paleontologia reflete esse princípio: o Brasil deve ter controle e poder decisório sobre seu patrimônio, assegurando que a ciência nacional avance de maneira autônoma e em benefício de sua sociedade.

O artigo “Digging deeper into colonial palaeontological practices in modern day Mexico and Brazil”, nos ajuda a entender como o Brasil ainda enfrenta desafios no controle de seu próprio patrimônio paleontológico, evidenciando como vestígios de um passado colonial continuam a influenciar nossa ciência.

Neste artigo, os autores exploram como, ao longo da história, fósseis e outros recursos científicos foram sistematicamente extraídos do Brasil e enviados para instituições estrangeiras. Esse processo, que pode parecer parte de uma colaboração científica internacional, na verdade, perpetua uma dinâmica colonial, onde o Brasil perde o controle sobre seu próprio patrimônio. Para os pesquisadores, essas práticas ainda são um reflexo da desigualdade histórica no campo da ciência, onde países mais desenvolvidos se apropriam dos recursos naturais e culturais de nações em desenvolvimento, como o Brasil.

Há de se destacar que essa retirada de material, muitas vezes, ocorre de maneira ilegal, desrespeitando as legislações brasileiras que visam proteger o patrimônio paleontológico. O tráfico de fósseis e outros recursos científicos contraria a legislação de proteção ao patrimônio, e muitas dessas peças acabam permanecendo fora do Brasil, longe do alcance de nossos pesquisadores.

A paleontologia brasileira, rica em fósseis e registros históricos, sofre com essa falta de soberania. A transferência de fósseis para outros países, sem o devido retorno ou benefícios para os cientistas brasileiros, impede que o Brasil tenha acesso integral a seu próprio patrimônio, limitando sua capacidade de avançar em pesquisas e desenvolvimento acadêmico. Essa dependência de cientistas e instituições estrangeiras enfraquece o campo científico nacional e torna o Brasil refém de uma estrutura global que ainda carrega vestígios de uma era colonial.

Nos últimos anos, um exemplo emblemático da extração indevida de fósseis brasileiros é o caso do dinossauro Ubirajara jubatus, removido do país sem autorização e levado para a Europa. Esse episódio evidenciou a vulnerabilidade do patrimônio paleontológico brasileiro diante da atuação de instituições estrangeiras. Apesar das leis nacionais e dos tratados internacionais, as medidas vigentes ainda são insuficientes para coibir a extração e apropriação indevida de fósseis em países em desenvolvimento. A recente repatriação do Ubirajara reforça a importância de medidas legais mais rígidas e de uma cooperação internacional genuína para proteger esses bens inestimáveis.

Esse cenário não é apenas uma questão científica, mas também política. A Proclamação da República não foi apenas uma mudança de regime, mas um símbolo do desejo de um Brasil mais independente, que pudesse decidir seu próprio futuro, sem interferências externas. No entanto, no campo da paleontologia, essa luta por autonomia ainda é necessária. A preservação do patrimônio paleontológico é essencial não apenas para a ciência, mas também para fortalecer a soberania intelectual do Brasil.

Embora existam esforços para melhorar a situação, o Brasil ainda carece de políticas robustas que protejam e promovam o uso responsável de seus recursos paleontológicos. A falta de uma legislação eficiente e de uma maior valorização da ciência nacional ainda são obstáculos a serem superados. Para que o Brasil se fortaleça cientificamente, é necessário que se faça uma verdadeira independência no campo do conhecimento, onde o país possa controlar e desenvolver sua própria ciência, sem a interferência de dinâmicas coloniais.

Assim, ao refletirmos sobre o Dia da Proclamação da República, é essencial compreender que a luta pela soberania não terminou em 1889. Ela continua hoje, o Brasil ainda enfrenta o desafio de proteger seu patrimônio científico e garantir que os recursos do país sejam usados de maneira justa e em benefício da nação.

Esse tema é especialmente relevante para todos nós, não apenas para os cientistas e pesquisadores, mas também para a sociedade em geral. A preservação do nosso patrimônio paleontológico e a construção de um futuro científico mais autônomo são essenciais para que o Brasil realmente alcance a independência plena. Mesmo no século XXI, o país ainda precisa lutar contra as práticas coloniais que limitam sua autonomia científica.

Se você quiser saber mais sobre as implicações do colonialismo científico e como ele afeta a paleontologia no Brasil, acesse o artigo completo abaixo

Texto fonte: CISNEROS, J. C. et al. Digging deeper into colonial palaeontological practices in modern day Mexico and Brazil. Royal Society Open Science, [S.L.], v. 9, n. 3, p. 01 – 32, mar. 2022

Disponível em:

https://royalsocietypublishing.org/doi/10.1098/rsos.210898

Fonte e legenda da imagem de capa: Arte simbólica utilizada na campanha de repatriação do dinossauro Ubirajara jubatus traficado para fora do Brasil – André Martins

Disponível em:

https://www.ufrn.br/en/press/features-and-knowledge/71341/o-retorno-de-ubirajara


Texto revisado por: Alexandre Liparini.

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