Escrito em: 09 de abril de 2023
Por Henrique Garrido
E se fosse possível ter acesso ao conteúdo nuclear de um fóssil de milhões de anos? Apesar de parecer uma ideia retirada diretamente de um filme de Hollywood, um artigo publicado na revista Nature revelou que esse fato pode não estar tão distante assim.
No artigo “Nuclear preservation in the cartilage of the Jehol dinosaur Caudipteryx”, do final do ano de 2021, os autores Xiaoting Zheng, Alida M. Bailleul, Zhiheng Li, Xiaoli Wang e Zhonghe Zhou apresentam a possibilidade de estarmos diante de um importante registro de DNA preservado em fósseis.
Essa descoberta se mostra especialmente interessante devido à fragilidade dos ácidos nucleicos, que iniciam a sua degradação poucas horas após a morte do indivíduo. Por conta disso, a presença de DNA saudável se mostra extremamente rara na literatura paleontológica, instaurando uma infinidade de questionamentos referentes à sua preservação e às possibilidades que esse estudo traz para a ciência no geral.
O artigo citado relata a descoberta de restos fossilizados de um dinossauro do período Cretáceo que habitava a atual China, chamado Caudipteryx. Além de se tratar de um registro fóssil interessante por si só, devido à considerável preservação da amostra, apresentando inclusive o contorno das penas do animal, o mais intrigante se encontrava em uma parcela do tecido cartilaginoso deste indivíduo.
Após passarem por um processo de desmineralização da cartilagem fóssil, fragmentos dessa cartilagem foram submetidos à coloração utilizando hematoxilina e eosina, procedimento clássico da histologia para a identificação de componentes no interior da célula, como por exemplo componentes nucleares e citoplasmáticos. Impressionantemente, ao comparar a amostra fóssil com lâminas produzidas a partir da cartilagem recente de uma galinha utilizando a mesma técnica de coloração, os autores perceberam que os dois procedimentos reagiram de forma excepcionalmente semelhante.
Além disso, em um dos condrócitos do dinossauro (célula constituinte do tecido cartilaginoso), é possível observar a presença de fios de cromatina fossilizados, sendo o segundo registro existente na literatura paleontológica de fossilização desses filamentos em vertebrados. As possibilidades oriundas dessa descoberta ainda são difíceis de serem dimensionadas, mas a remota capacidade de entendimento genético desses animais é o suficiente para animar qualquer cientista, uma vez que abre margem para novas abordagens taxonômicas, genotípicas, etc.
Apesar dos dados obtidos no trabalho apontarem para a preservação parcial do conteúdo bioquímico do núcleo das células cartilaginosas do dinossauro, novos estudos necessitam ser feitos para comprovar o estado de preservação do conteúdo nuclear e as teorias apontadas pelos autores do artigo.
Entretanto, os resultados já se mostram extremamente interessantes e promissores. A realidade observada em filmes megalomaníacos, como o clássico Jurassic Park, se mostra cada vez mais próxima. Cabe a nós nos mantermos atentos para os próximos passos da ciência e ver até onde essas novas descobertas podem nos levar.
Texto fonte: Zheng, X., Bailleul, A.M., Li, Z. et al. Nuclear preservation in the cartilage of the Jehol dinosaur Caudipteryx. Commun Biol 4, 1125 (2021). https://doi.org/10.1038/s42003-021-02627-8 Disponível em: https://www.nature.com/articles/s42003-021-02627-8#citeas Acesso em: 09 de Abril de 2023.
Fonte e legenda da imagem de capa: Células retiradas da cartilagem do fóssil de Caudipteryx e coradas utilizando a coloração HE, demonstrando a reação com o conteúdo nuclear apresentado.
Texto revisado por: Cíntia Silva, Alexandre Liparini.