19 de janeiro de 2024.
Por: Laura Barroso
Os cetáceos, grupo de mamíferos do qual as baleias e os golfinhos fazem parte, são os representantes mais famosos quando o assunto é a transição de ambiente terrestre para aquático. Antes quadrúpedes terrestres, esses animais tiveram uma mudança relativamente rápida em sua locomoção para se tornarem animais obrigatoriamente nadadores. Como exemplo, tem-se os Pakicetus, cetáceos terrestres basais do início do Eoceno, ou seja, aproximadamente 50 milhões de anos atrás, alimentavam-se de peixes, apresentavam um pescoço alongado e uma anatomia característica de animais cursoriais (feitos para correr). Em compensação, os Dorudons, também pertencentes ao Eoceno, mas diferente dos Pakicetus já eram nadadores obrigatórios e já se pareciam com os nossos cetáceos modernos com sua extremidade posterior em seu formato de barbatana e seu pescoço encurtado.
Ao analisar o tamanho do sistema do canal semicircular desses mamíferos, um dos principais órgãos sensitivos relacionado ao controle neural da locomoção, foi descoberto que eles apresentavam o tamanho do arco do canal aproximadamente três vezes menor, em proporção ao tamanho corporal, do que o de outros mamíferos não cetáceos. No artigo, foram comparados os tamanhos de 24 canais semicirculares de cetáceos já extintos e de mais outras 106 espécies de outros diferentes grupos de mamíferos. Foi observado que o canal semicircular dos cetáceos era, em média, três vezes menor quando comparado com mamíferos de tamanhos parecidos. Antes, o tamanho reduzido do canal em cetáceos era considerado uma condição vestigial, tendo sido perdido em decorrência dos movimentos limitados do pescoço (vértebra cervical fusionada ou diminuída) e baixa motilidade dos olhos.
Além disso, esse novo arranjo sensorial – incompatível com a locomoção terrestre – se desenvolveu rápido e cedo na evolução dos cetáceos. O tamanho do canal semicircular, que é formado por um conjunto de três tubos ósseos interligados e repletos de endolinfa (fluido do labirinto, responsável pela detecção de sons e controle do equilíbrio), é determinante para a sensibilidade e, também, já foi descoberta sua correlação com a agilidade na locomoção a um certo grau. Uma explicação para o tamanho diminuto do canal semicircular nos cetáceos é a que este tamanho deve-se à redução da sensibilidade para combinar com os altos níveis de motilidade angular não compensatória. Ou seja, como na água é possível realizar manobras ágeis sem a necessidade de movimentos compensatórios, que mantem o equilíbrio para não se “cair” (como ocorre no ambiente terrestre), o tamanho do canal semicircular pode ser minimizada a fim de reduzir a sensibilidade excessiva a esses movimentos compensatórios. Esta motilidade é compatível com um comportamento muito característico de cetáceos viventes, sendo ele a rápida rotação corporal ao realizar acrobacias. A realização destas acrobacias foi possível no ambiente aquático e não em terra devido à ação da atração gravitacional e à não mais existente necessidade de contato com o solo para se locomover.
Algo interessante é que diferente do canal semicircular, o tamanho da cóclea — estrutura do ouvido responsável por converter as ondas sonoras em sinais elétricos a serem interpretados pelo cérebro — em fósseis de cetáceos é muito parecido com o de outros mamíferos.
Vale ressaltar que o canal semicircular da baleia azul (Balaenoptera musculus) consegue ser menor que o de um ser humano! E o do golfinho-nariz-de-garrafa (Tursiops truncatus) é notavelmente menor que o do rato marrom/ratazana!
Texto fonte: Spoor, F.; Bajpai, S.; Hussain, S.; Kumar, K.; Thewissen, J. G. M. (2002). Vestibular evidence for the evolution of aquatic behaviour in early cetaceans, Nature, v. 417, p. 163–166. Doi: 10.1038/417163a. Disponível em <https://doi.org/10.1038/417163a>, acessado em: 19/01/2024.
Fonte e legenda da imagem de capa: Diversos exemplos de cetáceos atuais. Extraída de Wikimedia Commons. Disponível em <https://en.m.wikipedia.org/wiki/File:The_Cetacea.jpg>, acessada em: 19/01/2024.