24 de setembro de 2022
Por: Camila Cristina
Dentre os vários animais que já viveram aqui na Terra, o curioso crocodiliano Mourasuchus têm despertado o interesse de paleontólogos, por causa das suas possíveis formas de se alimentar. Os crocodilianos no geral são animais relativamente grandes, semiaquáticos e predadores de topo, alimentando-se de crustáceos, moluscos, peixes e vertebrados, a depender da sua morfologia. O gênero crocodiliano que será tratado neste texto, é o extinto caimã Mourasuchus, que surgiu no Mioceno, na América do Sul.
Caimões do gênero Mourasuchus podem chegar a até 6 metros de comprimento, possuem um rostro largo, longo e achatado dorsoventralmente — lembrando um bico de pato — mandíbulas finas e longas, com dentes pequenos e cônicos. Por conta dessa morfologia incomum, não há certezas sobre a alimentação desse animal. Muitas hipóteses foram levantadas, dentre elas, Langston (1965) propôs que Mourasuchus poderiam forragear (procurar alimento) entre a lama, seja na margem ou no fundo dos corpos d’água.
O estudo apresentado aqui tem a perspectiva de que o comportamento proposto por Langston se adequa melhor à morfologia de Mourasuchus, e com isso, pretende-se abordar as seguintes perguntas: como Mourasuchus captura seu alimento?; O que eles comiam?; Como sua morfologia e estratégia de forrageamento evoluíram?
Um estudo de 2017 sugeriu, com base na hipótese de Langston, que o possível comportamento desse caimã seria forragear através de fundos e margens de corpos d’água rasos, mas enfatizando a função do seu rostro largo e achatado na captura de presas pequenas em grandes quantidades, com a porção ventral servindo de “rede de pesca”. As mandíbulas longas e finas juntamente com os dentes relativamente pequenos e outras características do crânio pressupõem que Mourasuchus eram incapazes de segurar ou ingerir grandes presas, pois não forneceria a força de mordida necessária para tal. Além disso, as vértebras cervicais são mais curtas se comparadas às de crocodilianos atuais, sugerindo que o pescoço desse animal fosse mais fraco e menos móvel. Com isso, a anatomia vertebral concorda com a anatomia craniana indicando que esses animais provavelmente não eram capazes de segurar e desmembrar grandes presas. A alimentação dos Mourasuchus possivelmente era baseada em pequenos moluscos e crustáceos, sendo que engoliriam a presa inteira, preferencialmente em grandes quantidades e depois ingeridas todas juntas. Este comportamento explicaria o tamanho reduzido da maioria dos dentes em Mourasuchus, além de explicar o formato longo e achatado do rostro, já que tal morfologia aumenta a área de captura de presas.
Em relação à evolução dos hábitos alimentares incomuns desse gênero, há a hipótese de que esse comportamento tenha evoluído do modo durófago exibido por vários caimões extintos, ou seja, alimentação que requer a quebra de materiais duros, como conchas. Há também uma técnica de forrageio denominada “escavação de cabeça”, em que o animal predava bivalves enterrados no fundo de lagos e rios. Este comportamento era de alguns caimões durófagos extintos, e se baseia em raspar o fundo de corpos d’água com uma estrutura em forma de pá nas mandíbulas inferiores. Considerando que as presas de Mourasuchus eram semelhantes a de caimões durófagos, é suposto que o comportamento de forrageio de ambos seja semelhante.
Apesar das hipóteses acerca da alimentação de Mourasuchus, tanto nesse estudo quanto anteriores, não há um consenso sobre qual delas seria a mais provável de ser adotada por esses animais. Ainda precisam ser realizados mais testes para confirmá-las, com experimentos biomecânicos e reconstruções musculares da parte inferior do rostro desses animais. Além de serem necessários mais achados fósseis e análises filogenéticas para entendermos suas adaptações e evolução.
Artigo fonte: Cidade GM, Riff D, Hsiou AS. 2019. The feeding habits of the strange crocodylian Mourasuchus(Alligatoroidea, Caimaninae): a review, new hypotheses and perspectives. Revista Brasileira de Paleontologia, v. 22, n. 2, p.106–119. Doi:10.4072/rbp.2019.2.03 Disponível em https://www.sbpbrasil.org/assets/uploads/files/rbp2019203.pdf (acessado em: 16/05/23)
Fonte e legenda da imagem de capa: Ilustração de Mourasuchus se alimentando, por Renata Cunha. Extraída do artigo fonte.