Fósseis de insetos como bioindicadores no estudo de alterações ambientais

20 de janeiro de 2021

Por: Clara Ferreira Nogueira

O artigo publicado na Revista Brasileira de Zoociências, em dezembro de 2006, trata do estudo de insetos fósseis da Formação de Santana como bioindicadores de mudanças ambientais no Cretáceo Inferior. Esse estudo foi produzido por Rafael Gioia Martins-Neto e sua importância está no uso de fósseis para evidenciar estresse ambiental e crises bióticas do período.

Os insetos são invertebrados que habitam os mais variados lugares do planeta. Contudo, sua sensibilidade a alterações do ambiente, juntamente com seu curto ciclo de vida, os tornam propensos a mudanças morfológicas que podem ser usadas como bioindicadores de seus hábitats. Isso também vale para sua forma fóssil que pode ser utilizada em estudos paleoambientais. Na América do Sul, a Formação Santana (Bacia do Araripe) segue como um dos afloramentos mais pesquisados por conter insetos fósseis em excelente estado de preservação. Nesse estudo, o período geológico escolhido foi o Cretáceo Inferior, que apresentou importante alterações como a abertura definitiva do Oceano Atlântico no Gondwana. Para análise, foram selecionados os seguintes grupos: Ephemeroptera (Hexagenitidae e Siphlonuridae), Caelifera (Locustopsoidae e Elcanidae) e Neuroptera ( Nemopteridae e Crocidae).

Os gafanhotos (Locustopsidae e Elcanidae) aparecem em abundância na Formação Santana, com a peculiaridade de serem encontrados preservados em posição post-mortem natural, com asas em posição de descanso. Isso sugere que a causa da morte não tem relação com afogamento, já que o animal abriria as asas para se debater, nem com a ocorrência de eventos catastróficos, já que vários grupos também sofreriam morte em massa no mesmo período. A possível solução para esse mistério vem com a observação de um fenômeno comum em grupos de gafanhotos atuais, no qual, sob gradiente de comida e temperatura elevados, a população se multiplica em escala geométrica devido a um feromônio que estimula o acasalamento. Com a população grande demais, a escassez de comida estimula outro feromônio que “desativa” o gafanhoto, em um evento parecido com um “suicídio em massa”. Nesse caso, foi possível inferir a existência de um habitat quente com ampla disponibilidade de vegetação.

O caso da mortalidade em massa das Ephemeroptera já sugere uma causa da morte diferente, que estabelece um paralelo com as condições do lago em que suas ninfas viviam. Horizontes com deposição de calcário com alta concentração de algas precedem uma deposição de calcário amarelado rico em fósseis de Dastilbe (peixe ósseo), sugerindo que a presença de algas e a morte dos peixes está relacionada. Logo após, são encontradas lâminas de calcário laminado e oxidado (cor avermelhada), que são evidências de água muito rasa e exposição ao sol. E foi nessa camada que pesquisadores encontraram ninfas fossilizadas de Ephemeroptera, que passam esse estágio de vida na água. Por isso, a mortalidade desses insetos estaria ligada a alterações climáticas que eventualmente resultaram na evaporação da lâmina d’agua.

As extinções em massa de grupos de insetos no Cretáceo são evidências para a ocorrência de mudanças ambientais e climáticas da época. Outros fatores, como o surgimento das aves, que são predadores naturais dos insetos, também foi a razão de mudanças dos habitats desses animais. Por outro lado, o surgimento das angiospermas levou a novos tipos de interação entre inseto e plantas. A análise dos fósseis da Formação Santana, em conjunto com o estudo das formações rochosas locais, esclarece alguns dos acontecimentos ecológicos interessantes que ocasionaram mudanças significativas na fauna. Com isso, a importância do uso de fósseis como bioindicadores fica em grande evidência.

Artigo fonte: Rafael Gioia Martins-Neto. (2006). Insetos fósseis como bioindicadores em depósitos sedimentares: um estudo de caso para o Cretáceo da Bacia do Araripe. Revista Brasileira de Zoociências, v.8, n. 2, p. 155-183. ISSN 1517-6770. <Clique aqui para acessar o artigo fonte>

Legenda e fonte da imagem: Exemplo de insetos fossilizados. (Imagem extraída de http://wwwbiodersongrapiuna.blogspot.com/2014/05/expedicao-araripe.html).

Publicado por Alexandre Liparini

Mineiro, gaúcho, sergipano, e por que não, alemão? No caminho sempre a paleontologia como paixão e agora como profissão. Adora dar aulas e pesquisar sobre origens e evolução. Se esse for o tema, podem perguntar, por que não?

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