Minerar entre a degradação e a conservação: lucro financeiro imediato ou lucro científico-cultural

22 de março de 2020

Por: Rafael Melo Caffaro

O artigo intitulado “Mineração versus Paleontologia: uso e ocupação da Serra do Veadinho em Peirópolis – Uberaba, Estado de Minas Gerais (Brasil)”, escrito por Santos e colaboradores, publicado em 2010, traz uma discussão acerca da possibilidade de se conciliar a atividade mineradora em um local que também é alvo de outros interesses, com foco, principalmente, na Paleontologia, devido à abundância de fósseis encontrados na área. Um estudo de caso relacionado a uma comunidade perto de Uberaba e à mineração exercida nessa por um período de mais de um século pontua aspectos importantes para que a relação exploração-ciência-sociedade possa vir a ser bem-sucedida, mostrando, também, o que levou ao insucesso do caso analisado. As conclusões do trabalho, por mais que para alguns possam parecer óbvias, não são simples e facilmente aplicáveis.

A área da Serra do Veadinho começou a ser explorada por imigrantes no fim do sec. XIX por meio de técnicas manuais de lavra, que apresentam impacto ambiental, porém esse é menor do que o proveniente das técnicas mecanizadas de lavra e uso extenso de explosivos. A exploração manual deu lugar à mecanizada após a metade do sec. XX. Essa última trouxe vantagens apenas para a empresa que explorava o local, visto que poluía o ambiente de várias formas, degradava a geodiversidade e destruía os fósseis que se encontravam naquele espaço.

Com essa inovação nos métodos de lavra alguns órgãos públicos e entidades de moradores se pronunciaram a respeito dos impactos que a empresa estaria causando no local e na ciência. Após algumas ações judiciais foi determinado que seria feita uma avaliação do espaço no qual a mineradora atuava e seus arredores, para definir se suas atividades deveriam parar, como foi embargado primeiramente pelo Departamento Nacional de Produção Mineral, ou não. O resultado da análise foi que a empresa poderia continuar minerando, porém deveriam seguir algumas regras para que o espaço fosse utilizado em harmonia por cientistas, moradores e até turistas.

Algumas das regras previamente citadas previam o aviso antecipado à comunidade quando a empresa fosse dinamitar alguma área; suporte ao centro de pesquisa definido na procura, escavação e transporte dos fósseis encontrados; e o desvio da rota de caminhões que transportavam minério e que passavam pela rua principal do local. A empresa não cumpriu boa parte das normas para que pudesse continuar minerando em harmonia com o trabalho dos paleontólogos e, após vários embargos e escândalos veiculados pela mídia local, o funcionamento da empresa cessou, dando espaço a um centro de pesquisa e museu vinculados à paleontologia.

Para que houvesse a continuidade das atividades da empresa seria necessário seguir regras simples, contudo a negligência da empresa a essas normas causou um desequilíbrio entre o trabalho dela e dos cientistas, além de afetar a vida dos moradores e o meio ambiente, gerando revolta desses atores e cessação do funcionamento da empresa. Para que chegassem nesse resultado, é provável que os moradores tenham criado uma identidade com o local, o qual a empresa degradava e destruía as evidências fossilíferas, e os órgãos, com a ajuda da imprensa e dos pesquisadores, atuaram visando o desenvolvimento sustentável e uma melhor qualidade de vida para as pessoas do local.

Artigo fonte: Wellington Francisco Sá dos Santos; Ismar de Souza Carvalho & Antonio Carlos Sequeira Fernandes. (2010). Mineração versus Paleontologia: Uso e Ocupação da Serra do Veadinho em Peirópolis – Uberaba, Estado de Minas Gerais (Brasil). Anuário do Instituto de Geociências da UFRJ, v. 33, p. 74 – 86. <Clique aqui para acessar o artigo fonte>

Legenda e fonte da imagem: Localização de Peirópolis, em Minas gerais; Mapa geológico, onde as cores indicam diferentes idades; e pontos indicativos de alguns sítios paleontológicos. Extraída da Figura 3 do artigo fonte.

Publicado por Alexandre Liparini

Mineiro, gaúcho, sergipano, e por que não, alemão? No caminho sempre a paleontologia como paixão e agora como profissão. Adora dar aulas e pesquisar sobre origens e evolução. Se esse for o tema, podem perguntar, por que não?

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