O âmbar

28 de junho de 2022

Por: Luís Pedro Silami Ibrahim Drummond

Quando falamos sobre fósseis, na maioria dos casos, pensamos em restos ou vestígios biológicos mineralizados. São lindas rochas e desempenham um papel essencial para compreensão da origem e evolução da vida. São chamadas de fósseis de preservação parcial aquelas formas biológicas que foram mineralizadas. Isso porque (após a morte), podem acontecer reações químicas e substituições do conteúdo carbônico (orgânico) por minerais (inorgânico), como o carbonato de cálcio e o óxido de silício. E em todo esse processo, há a perda da maioria dos tecidos moles que compõem os organismos. É por isso que existem poucos fósseis de: folhas, insetos, fungos…!

Muitas das vezes que pensamos nos fósseis, nos esquecemos dos exemplares de preservação total. Eles estão presentes por aí: quando falamos do âmbar (lembra da conservação do material genético em Jurassic Park?) e também quando falamos em criopreservação, ou seja, exemplares conservados pelo frio extremo de geleiras e/ou neve. Em ambos os casos, a morte não foi seguida de reações químicas (portanto, muito de — ou quase todo — seu conteúdo orgânico permanece preservado). Em ambos os casos, podemos entender a preservação total com exemplos culinários simples. Afinal, a maioria de nós usa freezer para conservar alimentos e já comeu pimentas ou azeitonas em conserva.

E, de certa forma, os fósseis de preservação total atualmente merecem um destaque para os biólogos, principalmente pelos avanços nas tecnologias que envolvem: microscopia, datação, separação e o estudo de compostos isolados (como a cromatografia), técnicas de replicação e edição molecular (como a PCR), bancos de dados e sistemas de informação. Juntamente a técnicas tradicionais usadas por paleontólogos e geólogos, tais áreas (que passam por saltos tecnológicos) hoje nos coloca uma realidade: o âmbar possui um valor paleontológico enorme. Claro, os conteúdos fossilizados via criopreservação também — mas são muito difíceis de serem estudados devido ao seu estado físico, e pela necessidade do descongelamento prévio (que pode ser seguido de decomposição).

O âmbar, resina vegetal fossilizada predominantemente originária de gimnospermas e angiospermas, não somente é uma resina que conserva em seu interior fósseis de animais (como o mosquito em Jurassic Park), mas também, pólens e microrganismos. Além disso, o conteúdo químico do âmbar pode nos dar informações preciosas sobre as plantas que os produziram, uma vez que fósseis vegetais são raros e de difícil identificação (devido ao seu alto conteúdo orgânico).

Mas e falando em conteúdo químico, como o âmbar se conserva? Afinal, ele é feito por moléculas orgânicas (carbono). Por que as plantas produzem o âmbar, e elas não resistem à decomposição, enquanto o âmbar resiste à decomposição? Acontece que o âmbar vegetal é um polímero (cadeia de moléculas que se ligam uma-na-outra) de terpenos dos tipos diterpenos e sesquiterpenos, vulgarmente conhecidos como óleos aromáticos, presentes principalmente em pinheiros e frutas. A maioria dos terpenos possui ação medicinal antimicrobiana, antioxidante e conservante, o que cria um ambiente desfavorável para a reprodução de agentes decompositores animais e microbiológicos. Além disso, a viscosidade da resina impermeabiliza a superfície conservada, impedindo trocas gasosas (consequentemente, a oxidação). Curioso: um outro exemplo de preservação que usa resinas e compostos aromáticos de plantas é a técnica de embalsamamento egípcio.

Pesquisas recentes nos indicam que a polimerização da resina é controlada por raios UV, exposição ao vento e calor, e o estudo e comparações entre diferentes tipos de âmbar podem fornecer indícios sobre a atmosfera do ambiente em que foram originados.

Um exemplo de estudo sobre diferentes atributos dos âmbares brasileiros (R. Pereira, 2011, UFF) procurou elucidar a composição molecular, aspectos quimiotaxonômicos e a origem botânica de alguns exemplares de âmbares encontrados em território brasileiro. Amostras da Bacia do Araripe apresentam ferruginol e as amostras da Bacia do Recôncavo indicaram a presença de ácido calitário, kauranos e filocladanos. Nos casos estudados, a possível origem dos âmbares é relativa às famílias Araucariaceae, Podocarpaceae e Cheirolepidaceae (sendo a última família, composto por coníferas extintas). A presença de âmbar também foi capaz de contar histórias ocultas, como acontece na formação Maracangalha (apesar de não possuir registros macrofósseis vegetais, a presença de âmbar indica a presença de flora conífera durante o período Cretáceo). As duas técnicas laboratoriais usadas para a identificação dos exemplares de âmbar foram: ressonância magnética nuclear de carbono 13 (RMN-13C) e cromatografia em fase gasosa (GC-MS). Enquanto o RMN-13C procura por isótopos de carbono-13 nas amostras (e é útil para realizar datações em amostras), a técnica de GC-MS serve para identificar a estrutura química dos compostos presentes na amostra via peso das moléculas.

Diferentes picos apresentados na técnica RMN-13C permitiram aos pesquisadores estimar que as amostras são referentes ao período Cretáceo. O artigo também sugere que os âmbares possam ser classificados via padrões (“assinaturas químicas”) apresentados nas análises laboratoriais, uma vez que estes estejam bem definidos.

Ainda cabe a nós supor que o estudo dos âmbares abre um leque de novas possibilidades distintas, como o estudo de moléculas conservantes e antioxidantes, o desenvolvimento de plásticos vegetais, o sequenciamento de organismos extintos com material genético preservados, cultivo de microrganismos encistados, entre diversas outras.

Texto fonte: PEREIRA, R. et al. Composição Molecular, Aspectos Quimiotaxonômicos e Origem Botânica de Âmbares Brasileiros. Revista Virtual de Química, v. 3, n. 3, p. 145–158, 8 jun. 2011. DOI: 10.5935/1984-6835.20110020. Disponível em: https://rvq-sub.sbq.org.br/index.php/rvq/article/view/134 . Acessado em: 07/02/2023.

Fonte e legenda da imagem de capa: Gota de âmbar (Simojovel, Chiapas). Autoria de VivaLaPinateria. Extraída de commons.wikimedia.org. Disponível em: https://commons.wikimedia.org/wiki/File:Ambardechiapas.jpg. Acessada em: 07/02/2023.

Publicado por Alexandre Liparini

Mineiro, gaúcho, sergipano, e por que não, alemão? No caminho sempre a paleontologia como paixão e agora como profissão. Adora dar aulas e pesquisar sobre origens e evolução. Se esse for o tema, podem perguntar, por que não?

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